VIÇOSA, SEMPRE VIÇOSA E CHEIA DE GRAÇA (2)
Por Elmar Carvalho Em: 01/05/2012, às 13H36
ELMAR CARVALHO
No domingo acordei cedo e acordei bem. Bem por isso, fui ao centro de Viçosa escolher os locais onde iria fazer umas fotografias. Em seguida aproveitei para tomar um delicioso caldo numa lanchonete da Praça General Tibúrcio. Constatei que os preços eram normais, sem nenhuma exploração de eventual turista. Voltei ao sítio. Preparamos as bagagens e fomos novamente ao centro histórico para tirar as fotografias, não sem antes irmos à lanchonete, de cujo caldo eu fizera entusiasmada propaganda.
Na mira da câmera, enquadrei o general Tibúrcio, ereto no topo de seu pedestal, em cujo lado frontal estão consignados dados de sua biografia. Numa das faces laterais do monumento foram estampados os nomes das principais batalhas de que ele participou, sagrando-se herói da Guerra do Paraguai. Lá, encarapitado no alto da coluna, o general parece ainda ditar suas ordens, pois a cidade me pareceu ordeira, aconchegante, limpa e bem cuidada, porquanto não vi papéis nem lixos espalhados nos logradouros. Aliás, observamos garis trabalhando em plena manhã de domingo.
A seguir, fui me postar aos pés do monumento erigido em homenagem ao grande jurista Clóvis Beviláqua, cuja esposa foi a escritora piauiense Amélia de Freitas Beviláqua. Ainda hoje é ele um nome respeitado da cultura jurídica nacional. Foi autor de importante livro sobre a história da Faculdade de Direito de Olinda e Recife. Esse grande jurista nacional foi o grande artífice do Código Civil de 1916, que vigorou até o ano de 2002.
Da Comissão dos 21, encarregada da elaboração desse Código, foi relator o piauiense Anísio Auto de Abreu. Ao que parece, o trabalho de realização dessa obra provocou uma espécie de ciúme em Rui Barbosa, que passou a atacar-lhe supostos erros, mormente gramaticais. Anísio de Abreu, de forma altiva e firme, retrucava, em defesa de seus pares, chegando a ironizar o excessivo rigor da Águia de Haia. Rebatendo o mestre do vernáculo e do Direito, Anísio de Abreu mostrou que Rui também errava, que Rui também cochilava: “Na via dolorosa da publicidade a que nos arrastaste, atrelados ao carro dos teus triunfos, permite que digamos. Mestre! Tu também és humano, tu também és frágil, tu também és mortal! Como nós – estás sujeito ao erro e também erraste!” E apontava-lhe os equívocos, um a um.
Na estátua, Clóvis Beviláqua segurava um livro, como símbolo de seu saber, de sua cultura e de sua dedicação aos estudos. Conta-se que ele era um homem bom, envolto numa aura de quase santidade. Li que pássaros revoavam no interior de sua casa, talvez porque pressentissem que ali morava um homem que os amava, e que jamais os maltrataria. O escultor, cujo nome não anotei, bem parece ter captado essa faceta da personalidade do grande jurista, visto que o semblante da escultura deixa transparecer certo ar de paz, de tranquilidade, de beatitude mesmo. A desembargadora Águeda Passos Rodrigues Martins, que foi presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, instalou em Viçosa o Memorial de Clóvis Beviláqua, que bem merecia a homenagem.
Por fim, fui à Praça da Matriz, onde fotografei a vetusta igreja de Nossa Senhora da Assunção, de coloniais linhas sóbrias, austeras, exceto no frontispício, de discreta sinuosidade. Sua inauguração data de 15 de agosto de 1700, porém o povoamento de Viçosa do Ceará começou bem antes, remontando a 1590, quando franceses provenientes do Maranhão tiveram contato com os índios da região, até sua expulsão em 1604 por Pero Coelho de Sousa. Segundo o padre Ascenso Gago, superior dos missionários ibiapabenses, a data de fundação da urbe seria 1695. O fato é que nesse período existia a missão dos padres jesuítas, que tentavam catequizar os índios Tabajaras, dando origem à Aldeia da Ibiapaba.
Essa povoação, em 7 de julho de 1759, foi elevada à categoria de vila, passando a chamar-se Vila Viçosa Real da América. No adro do templo, após a missa, vi as pessoas envergando suas fatiotas domingueiras. Aos poucos, sozinhas ou em pequenos grupos, desceram as escadarias e seguiram pelas ruas, algumas estreitas e um tanto sinuosas. No centro histórico ainda são conservados velhos solares, vetustos casarões, testemunhas de um outro tempo, que ainda se insinua das janelas e escorre pelos becos da imperial cidade serrana.
Quando estive na lanchonete, num rompante de alegria e entusiasmo pela bela cidade, pelos jardins bens cuidados de suas praças, pelas encostas arborizadas de seus morros, inclusive com plantas ornamentais, disse, em tom de discurso, uma frase de efeito, feita ao sabor do improviso: “A nossa Viçosa está cada vez mais viçosa!” Alguns circunstantes sorriram, parecendo gostar da galanteria. A esse arroubo, talvez um tanto condoreiro, gostaria, agora, de acrescentar: “Mais viçosa e mais cheia de graça”.