Impressa destaca inauguração de Brasília em 21 de abril de 1960.
Impressa destaca inauguração de Brasília em 21 de abril de 1960.

 

[Jônathas de Barros Nunes]

Este 21 de abril de 2024 me faz viajar no tempo! Jovem tenente de Artilharia, servindo na Guarnição Federal do Rio de Janeiro, 8ºGACosM, eis que sou chamado na semana anterior, à presença do Comandante, Coronel Jaime Moutinho Neiva.  Tomo conhecimento através dele, de que o Comando do Exército havia selecionado vários Oficiais para o cumprimento de missões especiais na inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, pelo Presidente Juscelino Kubitschek. A Artilharia de Costa da 1ª Região Militar igualmente participaria dessa operação. Estranhei meu nome, ainda jovem tenente, ser escolhido no meio de uma centena de outros Oficiais mais experientes, para uma missão tão distante e desafiadora: comandar um destacamento de sessenta homens  armados e conduzindo oito potentes PROJETORES DE LONGO ALCANCE, para iluminação do céu noturno de Brasília, na noite da inauguração de 21 de abril. Estes Projetores eram utilizados à época, na iluminação, rastreamento, localização e identificação de possíveis navios suspeitos ao longo da Costa Brasileira.  E me pergunto: por que meu nome, em meio a tantos Oficiais mais antigos do que eu no Quartel? Logo eu, há pouco promovido a Primeiro Tenente?

 

Se bem entendi as palavras do Coronel, meu nome, segundo ele, partira do Ministério da Guerra. Naqueles dias, havia um clima de insegurança no ar:  quatro meses antes, um grupo de Oficiais da FAB, juntamente com alguns integrantes do Exército e da Marinha tentara uma insurreição armada visando depor o Presidente Juscelino Kubitschek. Era pesado o clima de hostilidade na tropa, por parte de inúmeros Oficiais, contra tudo que cheirasse a esses três nomes: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Mal sabia eu que aqueles Oficiais compunham o Núcleo de  inimigos jurados do regime de plenitude democrática. Pretexto? Alegavam que esses três políticos mencionados viviam mergulhados na corrupção e na ameaça do Comunismo. Ignorando o cerne da questão, dizia com os meus botões:   por que a convocação logo a mim que sou inclusive novato aqui no 8ºGACosM?  

 

Presidente Juceslino descerra a fita que marca o nascimento de Brasília.

 

Os fatos, no entanto, iam muito além. Para surpresa minha, havia pouco tempo, um dos meus Instrutores no Curso de Guerra Química, Biológica e Nuclear, na Vila Militar, Capitão Tarcísio Ferreira, estava metido nessa insurreição contra o Presidente, tendo inclusive desviado uma dezena de lança-rojões da ESIE - Escola de Instrução Especializada do Exército.  Por outro lado, fui informado e instruído pelo Comandante, de que toda a parte logística da Operação seria feita diretamente com a interlocução de um Grupo de Transferência localizado, se bem me lembro, no Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro.

 

Parti assim à frente e no Comando desse Destacamento, um comboio com dez  viaturas. Destino: Brasília, distante 1200km. Dois dias de viagem. Não houve maiores contratempos, e ao chegar em Brasília, havia sido instruído a procurar não propriamente algum Quartel do Exército(nessa época todos em construção) e sim a empresa NOVACAP. Em lá chegando, fui conduzido à presença de um Senhor de nome ISRAEL PINHEIRO,  que, soube depois, era o Homem a quem JK confiara a construção da nova Capital. Muito bem recebido por ele, fui então orientado a ocupar o alojamento de um prédio novo construído para Hotel, à beira do Lago. Avisou-me então o Dr. Israel Pinheiro que a grande dificuldade naqueles dias finais de véspera da inauguração de Brasília, era a demanda por hospedagem e alojamento para milhares de pessoas que estavam chegando, a todo instante. E assim pedia também a minha compreensão para o fato de que talvez eu fosse precisar armar barracas na margem do Lago para os soldados.

 

Na verdade esse foi o único contratempo da viagem: Chegamos quatro dias antes  da solenidade de inauguração, prevendo a necessidade, não só de acomodação da tropa, guarda das viaturas, equipamentos e material bélico, como também deslocamento nos casos de possível engarrafamento das vias de acesso. Assim, já de vinte para vinte e um, o movimento de pessoas atingiu proporção tal que, não ouve conversa, tive que procurar um lugar na vizinhança do Hotel e armamos barraca pra todo mundo inclusive pra mim. Sou procurado pelo Gerente  do Hotel, insistindo em que havia um quarto no Hotel reservado para mim. Agradeci a gentileza mas considerei repugnante a ideia de abandonar a tropa no bivaque, jantando quentinha, para me recolher numa boa, mas longe da tropa, pernoitando no Hotel. Fiquei duas noites dormindo em barraca de campanha, junto  com os soldados.

Prof. Jônathas Nunes

 

Assim, vi e vivi o anoitecer histórico de 21 de abril de 1960, no entremeio de duas noites dormindo em tenda de campanha na beira do Lago, muriçoca de todo tamanho e mosquito pra todo lado. Fiquei junto da tropa que o Exército me confiara para integrar a solenidade histórica da inauguração da nova Capital do Brasil. Senti a emoção incontida de ser parte do contingente de brasileiros privilegiados por estarem a postos  naquela noite na Praça dos Três Poderes. Momento ímpar, acrescido da forte sensação de que a gente está escrevendo a História. Aquela noite brasiliense, sonhada e acalentada por tantos, mas vivida por poucos, põe em relevo aos olhos de todos, a presença do  Estadista Juscelino Kubitschek de Oliveira.  Estava sim, ele ali, promovendo o encontro do Brasil litorâneo com o Brasil Central, com o Brasil interiorano. Desafio secular de gerações! Desde a chegada das caravelas de Cabral na baía de Porto Seguro na manhã de 22 de abril de 1500!

 

Instalados pela tropa, os potentes Projetores , imensos fachos de luz coloridos, começam a varrer o céu noturno de Brasília. O reflexo daqueles  feixes de luz multicor nas montanhas de papel picado lançadas nas alturas por aviões da FAB,  ofereciam um espetáculo deslumbrante aos duzentos mil brasileiros apinhados na Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios. Juscelino passa próximo ao local onde me encontrava no comando da Bateria de Projetores. Carregado por uma multidão! E por ela freneticamente aplaudido! Às duas da madrugada recolho a Bateria. Gente pra todo lado! Milhares pernoitando também em tendas improvisadas. Cansada, a tropa se recolhe nas barracas de lona. Além de mosquito, alguém lembra ainda a possibilidade de cobra nesse mato ainda nativo.

 

Manhã de 22. Deixamos Brasília para trás, dispostos a enfrentar os 1200km de volta à cidade do Cristo Redentor. Viagem sem problema, já agora em pouco mais de um dia. Apresentei-me ao Comandante, de manhã cedo. Disse: Coronel, Missão cumprida. Recebi, dias depois um elogio do Comando do Exército pelo fiel cumprimento da Missão. Tantas décadas passadas, pela primeira vez, observando as peculiaridades daquela empreitada, me dou conta de que ainda nos meus vinte e poucos anos, o destino me colocara a frente de desafios como esse por mim aqui relatado. Guardadas as devidas proporções,  senti diante de mim,  desafio tão grande  quanto  o destino e a missão daquele seleto grupo de militares, viajando, meses a fio, no  Submarino Amarelo dos Tempos da Guerra Fria. Singrando nas profundezas do Oceano,  com Ogivas Nucleares a bordo, o Tempo para eles,  passa a ser uma realidade fugidia, nas asas da imaginação: “...sou o Rei dos sete mares!...vou e volto para mim!”

 

Veja abaixo a “versão amarela” da Noite Brasiliense, de 21 de abril de 1960.

 

 

          21 de Abril de 1960
       Brasília está nascendo!
(adaptada para ser cantada com a música do Submarino Amarelo)

                                                                     Jonathas Nunes

 

Brasília!.....de  Juscelino!                                                                                                                  

Novecentos e Sessenta!                                                                                    

Vinte  e  Um de  Abril!                                                                                                                  

Quanto Tempo  foi  Passado!                                                                                                                                                      

E de  Nada  me  Esqueci!                                                                                                                                                              

Quando Eu era  o  Comandante                                                                                                                                                

Da Praça dos Três Poderes!                                                                                                        

O Passado  está  Presente,                                                                                                          

 Ainda  agora  vive  sim!                                                                                                                                              

Sou o Rei....Raios de  Luz,                                                                                                      

Da Noite Brasiliense!                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

Varrendo o Firmamento,                                                                                        

Vou  e  Volto  para  Mim!

 

Estribilho:

Viajando!

No Raio de luz amarelo!

 (Jonathas  Nunes)

Jonathas  Nunes é  doutor em Física, professor universitário aposentado da UFPI, bacharel em Direito, escritor, Coronel do Exército, ex-deputado federal. Foi reitor da Universidade Estadual do Piauí, onde promoveu ampliação de sua estrutura física e humana para vários municípios do Piauí. Membro de várias instituições de cultura, entre as quais a Academia Piauiense de Letras.