Bráulio Tavares

A mente humana tem uma relação engraçada com os conceitos de verdade e mentira.  Muitas vezes somos incapazes de enxergar uma coisa verdadeira diante dos nossos olhos, só porque ela não se apresenta da maneira que esperamos.  Temos idéias preconcebidas sobre o que parece verdadeiro e o que parece mentira, e essas idéias determinam nossos erros de julgamento.
 

Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física, conta (no livro “O Sr. Está Brincando, Sr. Feynman?”) que quando jovem fazia parte de uma Fraternidade universitária, aqueles grupos de estudantes que dividem o aluguel de uma casa (o que no Brasil chamamos de “república de estudantes”).  Um dia, alguém desaparafusou e roubou a porta do quarto de alguns estudantes, para pregar-lhes uma peça.  Todos puseram-se a investigar, e Feynman teve a idéia de incrementar a brincadeira.  Durante a noite seguinte, ele fez o mesmo com a outra porta do quarto dos colegas, e a escondeu no porão.  Ao amanhecer, novo reboliço.  Os estudantes estavam irritados, e quando ele desceu para o café da manhã perguntaram: “Feynman!  Foi você quem tirou a outra porta?!”  E ele disse: “Oh, mas é claro que fui eu!  Olha aqui esses arranhões na minha mão: foi quando eu carreguei a porta para escondê-la”.  Os outros exclamaram; “Ora, vá se danar.  Quem terá sido?...”
 

Feynman tinha dito a verdade, mas como seu tom de voz era sarcástico ninguém acreditou.  Depois, a primeira porta foi encontrada, e os “ladrões” juraram de pés juntos que só tinham roubado uma.  A Fraternidade convocou uma reunião para resolver o problema.  Várias sugestões foram feitas, e então Feynman pediu a palavra.  “Não precisamos saber quem roubou a porta”, disse ele; “é óbvio que é alguém metido a esperto.  Muito bem, sr. Esperto, damos a mão à palmatória, reconhecemos que você é mais esperto do que nós todos.  Não precisa se acusar.  Basta deixar em algum lugar um bilhete dizendo onde está a porta, e nós reconheceremos que você é um Super-Gênio”. 
 

Outro estudante sugeriu, então, que cada um deles jurasse, pela sua palavra de honra, que era inocente.  E o presidente começou a interrogar: “Muito bem, vocês todos vão responder pela sua palavra de honra.  Jack, você tirou a porta?” “Não, pela minha palavra de honra”. “Tim, você tirou a porta?” “Não, pela minha palavra de honra”.  “Maurice, você tirou a porta?” “Não, pela minha palavra de honra”.  “Feynman, você tirou a porta?” “Oh, sim, claro que fui eu que tirei a porta!...”  “Que diabos, Feynman, estamos falando sério aqui, será possível?  Sam, você tirou a porta?...”
 

E o interrogatório prosseguiu.  Quando Feynman finalmente os convenceu de que tinha roubado a porta (e mostrou onde a escondera), todos o acusaram de ter mentido durante o interrogatório e faltado à sua palavra de honra.  Ninguém lembrava textualmente do que ele dissera.  Ele tinha dito a verdade, mas o tom de voz empregado, e a sua fama de gozador, tornaram invisível a verdade que ele dizia.