VELHICE E SEUS PERCALÇOS

CUNHA E SILVA FILHO

Não há como escapar dessa fase da vida caso não sejamos surpreendidos com a nossa partida, seja precocemente como tantos amigos ou conhecidos que já se foram e se encontram agora certamente  num  mundo melhor, assim  o desejo,   no  mundo celestial,  todos "dormindo profundamente" como no conhecido poema de Manuel Bandeira (1886-1968). Nascimento, vida e morte, eis a verdade a ser encarada como um fenômeno natural, consoante me afirmara meu pai numa de nossas conversas. Ele gostava muito de conversar comigo à noite quando, deitado na rede de seu quarto -biblioteca, me narrava fatos e passagens de sua vida de adolescente e de adulto, os quais, alegres ou tristes ou mesmo plenos humor e de ironia. De minha parte o ouvia atentamente. Ele sempre demonstrou que adorava conversar comigo, até mais do que com meus irmãos.

Gostava muito de só escolher a minha pessoa para acontecimentos marcantes de sua vida, como, por exemplo, ao tomar posse, numa das salas do belíssimo Palácio do Karnak, como diretor do Liceu Piauiense ou no dia (era uma manhã) em que me levou parra assistir à sua defesa de Tese para a cátedra de História do Brasil, na Escola Normal Antonino Freire ou ainda para a posse de ummembro da Academia Piauiense de Letra (APL).

Não me encontrava em Teresina quando veio a falecer, mas, pelo que soube da minha família, ele deu sinais evidentes de não concordar com a sua travessia para a dimensão espiritual. Meu pai definia Deus como um “inteligência incriada.” Isso ele confessa num soneto dirigido a Deus. É um bom soneto, principalmente analisado nos seus fundamentos filosóficos.

Estou lendo, agora, o livro de Cicero (106 a.C.),  A velhice saudável, na tradução direta do latim do erudito Padre Luiz Feracine (Coleção Grandes Obras do pensamento Ocidental – 63 (São Paulo: Editora Escala, Não é nesta crônica que vou falar desse livro que, pelo título, nos propicia, pelo menos, um certo ânimo através do sintagma “Velhice Saudável.”

Fenômeno normal na vida de qualquer ser humano, ainda assim , ao atingirmos certa idade, não há quem não se furte a pensar na vida além-túmulo. Certa vez, o historiador americano Will Durant (1885-1981) afirmara que “a morte é necessária” porque, segundo ele, como suportaríamos a angústia de viver eternamente fazendo a mesma coisa ao longo da vida? Decerto essa afirmação dele se refere a um estilo de vida no âmbito do trabalho de alguém em tempos passados nos quais a escolha de uma carreira ou atividade profissional era continua, ao contrario dos nossos tempos de imediatismos sofridos e incertos em que se muda de profissão desde que não fiquemos desempregados ou porque o desenvolvimento tecnológico, a partir da fase da automação, veio deixar no desemprego milhares de pessoas no mundo inteiro.

Há um fato que observamos à medida que passam os anos: a surpresa inopinada de descobrimos que já estamos iniciando a maturidade plena uma mudança de nossos posturas diante dos outros ou a percepção que os outros, quer dizer, as gerações mais novas, nos vão despertando  para a certeza de que estamos naquilo que os ingleses chamam “generation gap.” Ou seja, os outros.  os mais moços, é que nos fazem, em grau maior, percebermos que já não somos os jovens de outrora, quer no tratamento que já nos dão, quer em outras circunstâncias que se apresentam do prisma existencial.

Minha mãe, um dia, me disse que, embora tivesse a consciência de que envelhecera, por dentro de sua mente, se sentia ainda moça. Até certa fase da nossa vida, isso é fato em alguns aspectos, como, por exemplo, a nossa sensibilidade, a nossa afetividade, o maravilhoso mundo interior que tem sua particularidade de se sentir livre,  útil e até sentir-se belo, o sentimento amoroso, i.e., a capacidade de ainda poder amar não no sentido platônico, mas na acepção biológica enquanto temos uma vida saudável.

O que mais angustia os mais velhos é o preconceito, um valor negativo dado a quem já está entrado nos anos. É contra esse preconceito que procuro lutar e a maior força que posso encontrar está na procura de me  manter saudável. A saúde é um bem precioso na vida de um indivíduo. Por isso, expressões extremamente condenáveis, entre outras, são epítetos ou rotulações que machucam profundamente os idosos por parte de pessoas mais novas, de proferirem expressões do tipo “velho gagá, “já era, ” “pé na cova,” demente, caduco, "senil", entre tantas outras usadas por gente sem educação, sem urbanidade. Sem respeito à alteridade, sem civilidade, alguns  jovens   pensam que serão eternos ou são protegidos pelo “elixir da juventude”. Esses mais novos serão vítimas dos mesmos preconceitos que, por falta de uma boa formação moral  e familiar, ao se referirem aos mais experientes na vida, os tratam como descartáveis Da juventude à velhice há um pulo, especialmente em tempos que aceleram a passagem de anos em razão da vida agitada, estressada e pressurosa dos tempos pós-modernos, individualmente robotizados. São mentes que, por ignorância, falta de fundamentação filosófica, perderam o sentido do fio da vida compreendido em suas fases diversas como mudança naturais da arte de viver com sabedoria e pé no chão. Enquanto isso, me permitam ler o livro de Cícero, já mencionado atrás.

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