Esta não é a primeira vez que acontece. É a sexta vez, o que, por si só, já demonstra a ignorância e, sobretudo, a barbárie do ato. Teimamos em ser incivilizados, macunaímicos. Não respeitamos nada. Até parece que não temos História.
                         Pois é, leitor, não é em nenhuma outra cidade ou capital brasileira que o fato ocorreu nestas tantas vezes como demonstração de desrespeito, de maldade mesmo e de ausência de caráter, de educação, sei lá! Terá sido um pivete, ou um adolescente de classe média ou elevada, ou mesmo um psicopata, desses que andam por aí perturbando as crianças? Ninguém viu, ouviu, ninguém sabe.Nem nós outros o sabemos. Só o estrago é que se vê. Só a mutilação covardemente praticada por um irresponsável, um idiota. Caso mesmo de polícia. Mas, onde está a polícia? E os guardas municipais? Onde estão? E o prefeito? E o governador? Sei que não estão “dormindo profundamente”.Estão, sim, cuidando das suas vidas...
                      Preservar, cuidar, limpar, vigiar nada disso se faz. Oh, como estamos distantes no tempo e no espaço das grandes cidades européias que preservam seus monumentos, suas ruínas, suas estátuas, seus mitos, suas lendas, suas velhas e seculares casas, ruas e becos.
                      O Brasil não conserva, destrói. Não defende, se cala. Não vê, se omite. Até parece que se abateu sobre nós um silêncio de cumplicidade, de conluio ou mesmo de indiferença diante do mal, da falta de decoro, ou melhor dizendo, de ausência de dignidade.
                  Sujamos, pichamos, depredamos, destruímos quem ou aquilo que não pode se defender.
                 No entanto, a estátua é tão viva que se confunde com aquele que ali se simboliza admiravelmente. Lembra uma colagem perfeita e harmoniosa entre a estátua e alguém que, naquele banco do calçadão mundialmente famoso, ao lado dela se sentasse. O resultado desse encontro entre o bronze e o ser animado, isto é, o homem, é aquela impressão de verdade que nosso olhos têm de que ali, em sossego, vive sentado um senhor idoso, sério e lúcido e um casual conhecido amigo ou estranho.Com ela, a estátua, não é necessário falar, pois em si ela já fala tanto que lembra o Moisés de Miguel Ângelo. E se falasse...
                Leitor, deixo para esta altura da crônica a revelação do que alusivamente venho lhe falando. Estou lhe falando da sexta vez que a estátua de um dos pilares de nossa lírica foi vítima do vandalismo. Estou falando de Carlos Drummond de Andrade(1902-1987) Dele, leitor, que, em vida, tanto se dedicou às coisas do Brasil. Dele que defendeu, com a sua escrita estuante de atualidades, com as suas lúcidas crônicas estampadas durante anos no JB, tudo de que se precisa guardar e preservar.Dele que discutiu as magnas questões da ecologia. Dele, finalmente, que tanto criticou os nossos desacertos nas políticas públicas, que defendeu as grandes causas, que foi defensor intransigente do meio-ambiente brasileiro.
            Você, leitor, talvez, não se recorde do que fizeram com as Sete Quedas. Pois Drummond, na crônica, foi um titã advogando a incolumidade dessa maravilha de Deus que são as Sete Quedas. Isso por uma razão muito simples: ele foi um intelectual que oscilava coerentemente entre o passado e o presente. Mais ainda: pôde, como escritor realizar-se literariamente combinando tradição e modernidade, sem, todavia, ser reacionário nem ser tampouco modernoso.

              Soube, antes, ajustar-se ao seu tempo e simultaneamente ser, quando necessário, um crítico da contemporaneidade, embora encontrasse no legado do passado o seu ponto de apoio para o entendimento da  raiz dos fenômenos sociais e culturais tanto quanto o se aproveitmento como matéria de sua própria criação literária. Sua crônica é atual e histórica. Foi, por isso, um escritor, seja na alta poesia, seja na ficção, que se renovava lingüisticamente sem, no entanto, desprezar as conquistas do passado. Sua crônica é ubíqua. Daí ter sido chamado, de forma muito certeira, de “poeta nacional”  por um jovem intelectual de alta cultura e profundo conhecedor de sua obra, Jose Guilherme Merquior(1941-1990).  conforme atesta  sua tese de dutorado escrita em francês e defendida na Sorbonne - Verso universo em Drummond(1976).          Portanto, é difícil ficar calado com a estupidez do vândalo.Ao que me parece, o ponto da escultura que serve mais ao apetite do vândalo são os óculos do poeta, sobretudo as hastes feitas de chumbo, se não me engano. Os óculos são um detalhe que muito diz do poeta de Itabira e do autor de A rosa do povo.
         Toda vez que um indivíduo comete uma violação da estátua está praticando um crime contra nosso patrimônio cultural, contra principalmente a Poesia.
    O Rio de Janeiro deve satisfações à memória do poeta, cidade que escolheu para viver e na qual escreveu a maior parte da sua obra. Optou para viver também num dos bairros mais caracteristicamente cariocas – Copacabana.
Às vezes, diante dessas atrocidades contra o patrimônio cultural-artístico fico pensando que o certo seria deslocar a “estatua do poeta sentado no banco do calçadão” da Avenida Atlântica para um outro lugar mais seguro, com proteção de grades.
É um belo monumento essa estátua, como belas são as de Manuel Bandeira(1886-1968) e Pixinguinha(1897-1973),todas no Centro do Rio de Janeiro. Nela Drummond está vivíssimo. Há algo de mistério que dela emana e, de longe, nos dá uma forte sensação de que é mesmo o poeta em carne e osso que ali está. É uma escultura perfeita e convincente do poeta que, gauche, ganha a rua ainda que na sua forma de escultura. Drummond, magnífico bardo, não merece esse tratamento covarde e desalmado.