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VALÉRY: O CEMITÉRIO MARINHO

 

Rogel Samuel

 

 

 

Esse teto tranqüilo, onde andam pombas,

Palpita entre pinheiros, entre túmulos.

O meio-dia justo nele incende

O mar, o mar recomeçando sempre.

Oh, recompensa, após um pensamento,

um longo olhar sobre a calma dos deuses!

 

 

Como é misterioso este início de poema - onde tudo é misterio - um teto tranquilo onde andam pombas, entre... túmulos, ao

meio dia - remete ao mar, o mar da vida,. da vida e da morte, um longo olhar sobre a calma dos deuses...

 

 

Que lavor puro de brilhos consome

Tanto diamante de indistinta espuma

E quanta paz parece conceber-se!

Quando repousa sobre o abismo um sol,

Límpidas obras de uma eterna causa

Fulge o Tempo e o Sonho é sabedoria.

 

No mar os brilhos e faíscas de seus diamante, diamantes entre espumas, a paz dos túmulos... E esse sol sobre o abismo do universo.

 

O que significa este poema – límpidas obras de uma eterna causa, onde tudo é sonho, ou seja, tudo é sabedoria porque é sonho, tudo é fulge no tempo, no tempo do sonho.

 

Tesouro estável,templo de Minerva,

Massa de calma e nítida reserva,

Água franzida, Olho que em ti escondes

Tanto de sono sob um véu de chama,

-Ó meu silêncio!... Um edifício na alma,

Cume dourado de mil, telhas, Teto!

 

O franzido da água, a costura, é um olho – por transposição – véu de chamas, sono infernal, cume das edificações, teto do mundo, que será? Que será?

 

Templo do Templo, que um suspiro exprime,

Subo a este ponto puro e me acostumo,

Todo envolto por meu olhar marinho.

 

É assim esse Cemitério Marinho, Templo das Significações, vamos

 

E como aos deuses dádiva suprema,

O resplendor solar sereno esparze

Na altitude um desprezo soberano.

 

 

Como em prazer o fruto se desfaz,

Como em delícia muda sua ausência

Na boca onde perece sua forma,

Aqui aspiro meu futuro fumo,

Quando o céu canta à alma consumida

A mudança das margens em rumor.

 

 

 

Belo céu, vero céu, vê como eu mudo!

Depois de tanto orgulho e tanta estranha

Ociosidade - cheia de poder -

Eu me abandono a esse brilhante espaço,

Por sobre as tumbas minha sombra passa

E a seu frágil mover-se me habitua.