VALÉRY: O CEMITÉRIO MARINHO
Por Rogel Samuel Em: 26/10/2013, às 06H07
VALÉRY: O CEMITÉRIO MARINHO
Rogel Samuel
Esse teto tranqüilo, onde andam pombas,
Palpita entre pinheiros, entre túmulos.
O meio-dia justo nele incende
O mar, o mar recomeçando sempre.
Oh, recompensa, após um pensamento,
um longo olhar sobre a calma dos deuses!
Como é misterioso este início de poema - onde tudo é misterio - um teto tranquilo onde andam pombas, entre... túmulos, ao
meio dia - remete ao mar, o mar da vida,. da vida e da morte, um longo olhar sobre a calma dos deuses...
Que lavor puro de brilhos consome
Tanto diamante de indistinta espuma
E quanta paz parece conceber-se!
Quando repousa sobre o abismo um sol,
Límpidas obras de uma eterna causa
Fulge o Tempo e o Sonho é sabedoria.
No mar os brilhos e faíscas de seus diamante, diamantes entre espumas, a paz dos túmulos... E esse sol sobre o abismo do universo.
O que significa este poema – límpidas obras de uma eterna causa, onde tudo é sonho, ou seja, tudo é sabedoria porque é sonho, tudo é fulge no tempo, no tempo do sonho.
Tesouro estável,templo de Minerva,
Massa de calma e nítida reserva,
Água franzida, Olho que em ti escondes
Tanto de sono sob um véu de chama,
-Ó meu silêncio!... Um edifício na alma,
Cume dourado de mil, telhas, Teto!
O franzido da água, a costura, é um olho – por transposição – véu de chamas, sono infernal, cume das edificações, teto do mundo, que será? Que será?
Templo do Templo, que um suspiro exprime,
Subo a este ponto puro e me acostumo,
Todo envolto por meu olhar marinho.
É assim esse Cemitério Marinho, Templo das Significações, vamos
E como aos deuses dádiva suprema,
O resplendor solar sereno esparze
Na altitude um desprezo soberano.
Como em prazer o fruto se desfaz,
Como em delícia muda sua ausência
Na boca onde perece sua forma,
Aqui aspiro meu futuro fumo,
Quando o céu canta à alma consumida
A mudança das margens em rumor.
Belo céu, vero céu, vê como eu mudo!
Depois de tanto orgulho e tanta estranha
Ociosidade - cheia de poder -
Eu me abandono a esse brilhante espaço,
Por sobre as tumbas minha sombra passa
E a seu frágil mover-se me habitua.