Imagem rabiscada em homenagem a Valério Coelho Rodrigues
Imagem rabiscada em homenagem a Valério Coelho Rodrigues

                                                                          Reginaldo Miranda*

 

Foi personagem importante no processo de colonização do Piauí e no assentamento de sua base econômica. Chegando na segunda fase da colonização, sem perda de tempo trabalhou diuturnamente com afinco e denodo na fundação de currais e expansão de rebanho. Era determinado e tinha visão de futuro. Fez fortuna e gerou uma família que projetou-se na cena política nacional até os dias de hoje. Entre seus descendentes muitos foram abastados fazendeiros, coronéis no Império e na República Velha, líderes na política regional do Piauí, Pernambuco, Bahia e outras unidades federativas, outros foram juristas, advogados, magistrados, escritores, jornalistas, médicos, profissionais liberais em geral, clérigos, servidores públicos e, também, parlamentares, presidentes de províncias, governadores de estados e até um presidente da República.

Para alguns ele veio estabelecer-se no Piauí, aliado à Casa da Torre, porém, disto não encontramos qualquer registro. Preferimos acreditar que ele não tinha vinculação com aquele morgado baiano e aqui chegou por conta própria, em busca de oportunidades. No entanto, é fato inquestionável que chegando ao sertão no momento em que declinava o feudo baiano, acossado por contestações de toda sorte, sobre a dimensão e legitimidade de suas inúmeras sesmarias, fácil foi a esse jovem lusitano apossar-se de muitas daquelas sesmarias e fundar diversas fazendas.

Na verdade, com a morte de Garcia d’Ávila Pereira entrou em declínio a Casa da Torre, esfacelando-se seu imenso patrimônio no sertão do Piauí, Pernambuco e Bahia. Foi o momento de ascensão de Valério Coelho Rodrigues, pois patrimônio não fica sem dono, apenas muda de mãos. Evidentemente, em clima de litígio, com contestações de títulos e de posses, as terras perdem valor. Foi nesse contexto que muitos colonos regularizaram a sua contestada posse, através da aquisição de sesmarias. Às vezes, muitos colonos tinham de indenizar o sesmeiro ou outros posseiros, para enfim, apaziguando a situação pleitearem e conseguirem o sonhado título de sesmaria. Foi a oportunidade para muitos colonos, inclusive para Valério Coelho Rodrigues, que souberam atuar nesse vácuo deixado pelo feudo da Torre.

Nasceu Valério Coelho Rodrigues, em 3 de setembro de 1713, na freguesia de São Salvador do Paço de Sousa, Bispado do Porto, em Portugal, filho de Domingos Coelho e Águeda Rodrigues.

Menino arguto e inteligente, cresceu ouvindo relatos de compatriotas que atravessaram os mares e fizeram fortuna no Novo Mundo. Sonhava imitá-los. E enquanto crescia fez os estudos regulares entre os familiares, na terra natal.

Não sabemos quando iniciou a executar o sonho juvenil, singrando os mares em busca da colônia lusitana. Certamente, foi depois dos vinte anos de idade. Ao que se diz, chegou à cidade da Bahia em companhia de uma irmã, que ali constituiu família, dela descendendo o conselheiro José Antônio Saraiva, que governou o Piauí, fundou a cidade de Teresina e foi um dos grandes do Império.

Porém, Valério Coelho Rodrigues não se demorou naquela  cidade, logo passando ao sertão do Piauí, provavelmente no entorno do ano de 1735. Não tarda a convolar núpcias com distinta jovem da terra, Domiciana Vieira de Carvalho, filha de abastados fazendeiros, Hilário Vieira de Carvalho e Maria da Encarnação do Rego Monteiro, ele paulista, ela baiana, ambos descendentes de colonizadores de origem lusitana que entraram no Piauí  no ano de 1719.

Depois das núpcias o casal fixa domicílio em fazenda que denominaram Paulista, em homenagem à terra natal do sogro. É hoje a cidade de Paulistana, no sudeste do Piauí. Geraram 16 filhos, sendo 8 homens e 8 mulheres, a saber:

Ana Rodrigues de Santana, casada com Manuel de Sousa Martins; 2. Maria Rodrigues de Santana, casada com Marcos Francisco de Araújo Costa; 3. Valério Coelho Rodrigues Filho, casado com Antônia da Silva Vieira; 4. José Rodrigues Coelho, casado com Cristina Maria de Jesus; 5. Estêvão Coelho Rodrigues, casado com Mariana de Sousa; 6. Lourenço Rodrigues Coelho, casado duas vezes, sendo a primeira com Ana Maria de Jesus e a segunda com Antônia Benício; 7. Manuel Coelho Rodrigues, casado com Maria Aldonça Micaela Freire de Andrade; 8. Ignácio Coelho Rodrigues, casado com Ângela de Sousa; 9. Águeda Rodrigues de Santana, casada com Dionísio da Costa Veloso; 10. Teresa Rodrigues de Santana, casada com João Barbosa de Carvalho; 11. Josefa Rodrigues de Santana, casada com Martinho Lopes dos Reis; 12. Gertrudes Rodrigues de Santana, casada com João Ferreira de Carvalho; 13. Domiciana Rodrigues de Santana, casada com Francisco Machado de Sousa; 14. Florêncio Coelho Rodrigues, casado com Joana Calista; 15. Dionísia Rodrigues de Santana, casada com José da Costa Mauriz; e, 16. Teobaldo Coelho Rodrigues, jesuíta leigo, faleceu solteiro.

Conforme se disse, a labuta do novo chefe de família foi na aquisição de terras e criação de rebanho bovino. Em pouco tempo, estabeleceu regular comércio de seu rebanho nas feiras de Pernambuco e da Bahia, cujas remessas eram feitas anualmente. A renda que auferia nesse comércio era reinvestida na aquisição de mais terra e de mais gado. À medida que dobrava sua responsabilidade com o aumento da família, crescia seu desejo de aumentar seu patrimônio. Parece que desejava, de fato, projetar uma grande família no Nordeste, como viria a acontecer. Os seus currais se espalhavam pelos vales dos rios Itaim e Canindé, na freguesia de Oeiras e Gurgueia, na freguesia de Jerumenha: segundo registros de 1762, no ribeira do Itaim, possuía a fazenda Terra Nova, com quatro léguas de comprido e légua e meia de largura, comprada a Thomé Rabelo de Sepúlveda, que a tinha descoberto e povoado; nas cabeceiras do Canindé, possuía a fazenda Carnaíbas (em cujo território fundou também a denominada Paulista), com seis léguas de comprido e duas de largura, que a tinha comprado a Bernardo Dantas de Araújo, cuja porção fora destacada da extensa fazenda Cachoeira, da qual este havia comprado a Manoel da Costa, que à mulher deste pertencia por falecimento de seu pai Miguel Soares, tendo antes sido da mãe deste, mulher que foi de Antônio Soares, que a descobriu e povoou, tendo pago renda da mesma à Casa da Torre, até que entrando na posse o dito último vendedor, não mais a satisfez entrando em litígio com aquele feudo baiano, porque não teve receio de ser despejado como tiveram seus antecessores; também, na ribeira do Gurgueia, possuía uma fazenda chamada Tranqueira, com quatro léguas de comprido e uma de largo, de um e outro lado do dito rio; e assim mais possuía da parte dalém deste, em distância da casa da fazenda três léguas, pelo riacho das Pedras, uma pequena porção de terra, que tinha de largura menos de meia légua, nas partes em que mais largura tinha, e em outras partes era tão delimitada, que não podia dar utilidade alguma para a criação de gados; e da parte daquém do dito rio, na distância de quatro léguas da mesma casa da fazenda, possuía também uns currais junto ao riacho do Estreito, aproveitando-se da terra que havia por ele acima na dita distância, que tinha meia légua de largo em umas partes e em outras menos, a qual fazenda arrematou no juízo dos ausentes, por falecimento do padre Domingos da Costa, que também a tinha arrematado por morte de João Carvalho Ramos, que havia dela alcançado data, não confirmada, dando algumas em dote ou adiantamento da legítima, aos filhos.

Entretanto, continuou a adquirir novas terras, sendo que em seu inventário, deixou as seguintes fazendas: Paulista (atualmente cidade de Paulistana), Itainzinho, Ingá, Curimatá, Curral do Padre, Boa Vista, Boa Esperança (hoje cidade de Padre Marcos), Mamonas, Carnaíbas, Serra Branca e Terra Nova, no Piauí e Cachoeira (depois Cachoeira do Roberto), Cabloco e São João (hoje cidade de Afrânio), em Pernambuco .

A par desse bem sucedido empreendimento agropecuário e comercial, Valério Coelho Rodrigues também encetou carreira militar e atuou no real serviço, sendo eleito de pelouros, por diversas vezes, para o senado da câmara de Oeiras. No triênio 1754-55-56, era ele juiz ordinário da velha Capital, sendo assim responsável pela Devassa que, em 1754, investigou os desmandos atribuídos ao ouvidor-geral e provedor da real fazenda, José Marques da Fonseca Castelo Branco (AHU. ACL. CU. 016. Cx. 4. D. 346).

Em 1769, era ele novamente juiz ordinário de Oeiras, quando por força das ordenações foi chamado a ocupar os cargos reunidos de ouvidor-geral, provedor da real fazenda e dos defuntos e ausentes, capelas e resíduos da capitania, em face de falecimento do titular, bacharel Joaquim José Correia de Sande, em 11 de janeiro daquele ano. No exercício desse cargo se demorou por vários anos, ainde se encontrando no exercício de 1771. Por esse tempo, foi indicado para mestre-de-campo do terço de infantaria auxiliar da guarnição do Piauí.

Seguindo os passos do genitor, também seus filhos iriam encetar carreira militar e atuar no real serviço. Ainda no período colonial a descendência de Valério Coelho Rodrigues, assumiu posição de mando na capitania. Dois de seus filhos, três genros e um neto iriam integrar juntas governativas que administraram o Piauí, por largos anos. Durante a fase da capitania, dois períodos foram administrados por juntas trinas de governo, sendo o primeiro de 2 de janeiro de 1775 a 19 de dezembro de 1797 e o segundo de 13 de julho de 1811 a 10 de janeiro de 1814. Essas juntas eram compostas pelo ouvidor-geral da capitania, o militar de maior patente e o vereador mais velho do senado da câmara de Oeiras, então capital do Piauí.

Na primeira junta tomou parte, na qualidade de vereador mais velho do senado da câmara de Oeiras, em princípio do ano de 1790, seu filho José Rodrigues Coelho, residente na fazenda Carnaíbas. Mais tarde, por ato de 14 de março de 1809, este foi também nomeado diretor da missão dos índios jaicós, em cujo exercício ainda permanecia em 23 de março de 1811. No entanto, em 8 de novembro desse último ano, já ocupava seu lugar o cunhado Martinho Lopes dos Reis. Por esse tempo, o irmão Manoel Rodrigues Coelho, era comandante militar do rio Canindé. No ano de 1797, também assumiu o governo interino do Piauí, na mesma qualidade, o filho Lourenço Rodrigues Coelho, cuja descendência hoje espalha-se pelo sertão de Pernambuco (APP. Códice 161. P. 34/34v; 41v; 42v)

Entre os genros que tomaram parte no referido governo interino do Piauí, nesse mesmo período, figuram Marcos Francisco de Araújo Costa, João Ferreira de Carvalho e Dionísio da Costa Veloso.

Mais tarde, o vereador Severino Coelho Rodrigues, tomou parte no governo interino, ao tempo da segunda junta de governo. Foi empossado em 13 de julho de 1811 e nesse exercício permanece até 7 de janeiro de 1812, quando foi substituído pelo vereador Miguel Pereira de Araújo. Era filho primogênito de Estêvão Coelho Rodrigues e de Josefa Coelho, portanto neto paterno do patriarca do sertão (APP. Códice. 161. P. 243; 158-158v).

No entanto, embora com essa efetiva participação, foi somente depois da Independência que a descendência de Valério Coelho Rodrigues, assumiu preponderância nos destinos do Piauí, dominando a cena política durante o Império. Nesse aspecto, tomou uma liderança que na colônia foi da família Castelo Branco. Com Manuel de Sousa Martins (visconde da Parnaíba), seu neto, que governou o Piauí por quase vinte anos, sua descendência instalou um regime oligárquico no Piauí, que adentrou na República Velha e, de todo, nunca esmaeceu. Ao tempo do visconde da Parnaíba, tiveram larga influência outros descendentes, a exemplo do padre Marcos de Araújo Costa e de seu irmão Ignácio Francisco de Araújo Costa. Ao final do Império, militavam no Partido Conservador, e dominavam a política piauiense, em nível nacional o jurista e senador Antônio Coelho Rodrigues, e no comando provincial o médico Simplício de Sousa Mendes, ambos seus descendentes. Na República Velha, basta citar os nomes dos ex-governadores Álvaro Mendes e Eurípides de Aguiar. Não foi menor a influência da família em Pernambuco, com os Coelho, de que foi figura célebre o famoso coronel Clementino Souza Coelho (Coronel Quelê), de Petrolina, e no Maranhão, com a ascensão do ex- presidente da República, José Ribamar Ferreira de Araújo Costa(José Sarney), todos seus descendentes.

Faleceu Valério Coelho Rodrigues, no ano de 1783, com setenta anos de idade, no estado de viúvo, em sua fazenda Paulista, em cuja capela foi sepultado ao lado da saudosa esposa. Foi personagem importante de nossa história, em face da implantação de fazendas e, sobretudo, da numerosa e ilustrada família que deixou.

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* REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro titular da Academia Piaueinse de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. O presente  texto foi publicado no livro Piauienses Notávei. Teresina: APL, 2019.