0

 

Este banheiro me deprime. É tão velho. Passo a maior vergonha quando uma visita pergunta o que é aquela peça ao lado do vaso sanitário. Quantas vezes já fui forçada a explicar a utilidade de um bidê? Nem sei. Tenho certeza que alguns perguntam só por gozação. A vontade é de não responder, bancar a mal educada. Mas não consigo e acabo me enrolando em mil explicações. Que raiva!
E essas paredes? Ainda do tempo em que não se usavam azulejos. Aquela mancha de mofo, no canto direito, parece até um grande inseto. E o espelho? Além de pequeno, está cheio de pontinhos escuros. Como seria bom ter um que cobrisse toda a parede acima da pia, o banheiro não pareceria tão triste.
Esta água não esquenta. É o que dá insistir no chuveiro elétrico. Já disse para o pai que agora o bom é chuveiro a gás. Mas ele me ouve? Claro que não! Quando se trata de gastar, ele é totalmente surdo!
Esquenta, água! Esquenta, água!
Não tem jeito. Chuveiro velho demora para esquentar. Já devia estar acostumada.
Onde está o sabonete? Não acredito! Só tem este caquinho? De novo, a sovinice do pai. Sabonete novo, só quando o antigo acaba. Ou melhor, desaparece. Só de raiva, vou ficar debaixo d’água o tempo que quiser. Se não dá para me ensaboar decentemente, vou me “aguar” até ficar bem murcha, feito uma uva passa.
Uva passa. Mofo na parede. Bidê. Água escorrendo pelo corpo. Faço de conta que estou embaixo de uma cachoeira. Relaxo. Esqueço. Imersa em vapor, flutuo. Sou outra pessoa. Quem sabe, uma uva passa? Ou a mancha que parece um inseto? Quem sou? Talvez aquela outra. A do vestido vermelho. Nem eu sei. E importa?
Flutuo... Imersa em mim mesma. Pronta para voar...
Meu Deus, que susto! É o pai. Já veio me chamar a atenção para o banho demorado. Repetindo sempre a mesma ladainha: “Laurinha, Laurinha. Que é isso, menina? Quanta sujeira tem nesse corpo?”. Que raiva. Vontade de...
Não adianta. Melhor desligar o chuveiro. Ficar ouvindo sermão só vai aumentar esse meu sentimento de não pertencer. Grito que já terminei. Mas, tenho vontade de gritar que cansei. Não adianta. Melhor deixar passar. Fingir ser outra coisa, quem sabe uma uva passa.