Unha turva

[Chagas Botelho] 

Terminei de limpar o banheiro e fechei a porta com força. Rente a dobradiça ficou o polegar esquerdo; não tinha percebido. O impacto da porta esmagando a unha foi tão grande que gritei de dor. Uma dor feita de mil dores, diria Drummond. Veio acompanhada de um palavrão verborrágico. Soprei dedo e unha, depois coloquei dedo e unha na boca. Nada de alívio. Ah! Infame tormento que só aumentava. Agora também latejava e muito. 

Num momento, com o canto dos olhos, ao frisar o machucado, vi que uma bolinha escura surgia no sopé da unha. Parecia um eclipse anular. Metade branquinha e a outra metade já escurecendo. O sangue não jorrou, pelo contrário, com a pancada, concentrou debaixo do casco — calhou. Viraria um abscesso? Em movimento lento, a mancha escura avançou e tomou conta do espaço. 

O acidente deixou a úngula esmaltada de pardo. Quem visse diria que fui à manicure. A diferença de cor chamou a atenção dos curiosos. Perguntavam-me o que acontecera com a unha do dedão. Lá ia eu explicar tintim por tintim. Olhavam, admiravam, então, uns afirmavam: “vai cair”. Outros, no entanto, contradiziam: “se manterá firme”. Por enquanto, a acidentada continua grudada. Incrustada na pele. 

Se cair será minha segunda perda. Uma foi a do pé direito. Na adolescência, jogando bola, ela caiu. Há décadas jaz no panteão das desafortunadas. Contudo, não desejo outra anomalia. Senão, daqui a pouco me denominarão de homem sem unhas. Tudo por conta dos meus atropelos domésticos. A distração ainda me matará. Sou mesmo um nefelibata incorrigível. 

Bom é que agora está tudo bem. O pior já passou. Dois dias e duas noites em absoluta consternação. Tanto doía como latejava. Tive que recorrer aos anti-inflamatórios. Nesse ínterim, restou a dúvida se a unha cairá ou não. As apostas estão em alta. Quase empatadas tirando a margem de erro, é claro. Quem ainda quer apostar? Espero lucrar com o resultado. 

Eu sei que nunca tive unhas refinadas. Raras vezes viram serrinhas, foram e são lixadas no dente. A das mãos; porque as dos pés qualquer aparador de grama resolve. Pensando bem, não nasci para ter garras perfeitas. Mas, torço para que não caiam. É preferível ter uns tocos a não tê-los. Nada daquilo de que se vão às unhas e ficam-se os dedos. Longe disso. Quero as vinte que Deus me deu, embora, uma seja um mondrongo e a outra tenha cor turva.