[Maria do Rosário Pedreira]

Na minha vida de editora, excluindo as alegrias de publicar textos e autores que estimo, sofro anualmente com a invasão de centenas (sim, centenas) de originais de muitos que querem desesperadamente publicar o que escreveram. O pior é que, a cada ano, aumenta o número de pedidos de apreciação e baixa o nível dos textos recebidos. Não sei porquê, mas creio que a circunstância de bastantes figuras televisivas se terem posto a assinar romances que, se calhar, nem redigiram fez crer a toda a população que também podia escrever uma obra de ficção. E quem, provavelmente, tinha uma ideia ou uma história que parecia boa, e quiçá não havia sido mau aluno a Português, acreditou que isso seria suficiente para fazer obra e, mais grave, para a publicar e partilhar com o público. Ignoro se nas outras artes há tantos aspirantes como na literatura, mas presumo que não, porque esta é, de facto, a arte mais barata de todas (fazer cinema fica caro, de mais a mais sem subsídios, pintar obriga a saber a técnica e comprar tintas e telas, compor música requer, em princípio, um instrumento e, claro, algumas bases). Será então por isso que tantos se atrevem a passar ao papel as suas ideias, convictos de que assim terão um dia lugar em alguma prateleira da eternidade?