0

  

A ilustradora brasileira Marilda Castanha, além da arte voltada para a literatura infanto-juvenil brasileira, produziu iluminuras em outros países, a exemplo, de O gato e o escuro (2008), do moçambicano Mia Couto. Ilustrou O diabo na noite de natal[1] (1977), de Osman Lins, Felicidade (1995), de Roseana Murray e também pinta suas próprias histórias como os livros: Agbalá: um lugar no continente (2008), Pindorama: terra das palmeiras (2008), Mil e uma estrelas (2011), entre outros. 

Despertou-me atenção, em particular, a ilustração que Castanha criou para um dos capítulos da obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Refiro-me à obra “Delírio” (sétimo capítulo), editada em 2010, pela Companhia das Letras.

 Ao rememorar o trecho do narrador machadiano sobre seu delírio, posso imaginar o projeto da ilustradora Castanha que seria tão próximo da elaboração de Machado, pois, se o leitor/observador (no texto) não consegue entrar para o delírio narrativo de Brás Cubas, nas imagens de Castanha, não há como fugir do propósito de tradução, em forma de cores, desse fenômeno psíquico. Segue um trecho:

 

Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a ciência mo agradecerá. Se o leitor não é dado à contemplação destes fenômenos mentais, pode saltar o capítulo; vá direto à narração. Mas, por menos curioso que seja, sempre lhe digo que é interessante saber o que se passou na minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos (Palavras do narrador machadiano na obra de CASTANHA, 2010,  p. 5).

 

 

No conjunto das três imagens a narração constrói-se em estilos lineares para divergir da não linearidade da narrativa de Memórias póstumas de Brás Cubas. Para narrar os prodígios mentais do narrador Brás Cubas, Marilda Castanha busca imagens que aproximam na figura do desenho de cérebro, relógio (ligado à temporalidade) e outra imagem ligada ao animal que, não sendo humano, assemelha-se a uma porta, onde o personagem Brás Cubas parece entrar em estado alucinante, na busca de si mesmo depois de sua morte.

O delírio de Brás Cubas começa quando ele vê a imagem do hipopótamo e a mente do personagem mistura ao contexto delirante e visões assustadoras. O gato que aparece sentado ao tapete, passa a ter outro signo: o hipopótamo nos sonhos e imaginações de Brás cubas e na ilustração de Marilda Castanha.

O observador das imagens físicas consegue ter essa duplicidade do signo aliada à imagem também próxima do cérebro, de uma cabeça humana, ao se deparar com a ilustração sobre essa parte do corpo humano. O delírio retratado na obra torna-se suavemente uma viagem do conto fantástico que não está tão distante do texto e suas questões filosóficas. Na imagem que aparece no topo deste texto, a viagem ou fuga parecem tão similares à obra machadiana. Brás Cubas, paulatinamente a sua morte, narra sua história, os seus amores e o adultério de Virgínia. No capítulo VII, inicia-se o seu delírio que toma corpo com as alucinações. Tais imagens feitas com palavras são traduzidas pela intérprete Marilda Castanha.

 Em várias imagens ilustradas por Castanha, o personagem caminha ao mergulho delirante de uma busca de si mesmo. A ilustradora permite ao observador olhar para um Brás Cubas que parece ter acordado de sua própria morte. Nas imagens, ele sai da cova e vai em direção da porta que é a cabeça do hipopótamo. Isso não diverge do plano da imaginação de Brás Cubas (texto) que viaja no tempo e em suas introspecções para alcançar a explicação filosófica dos temas universais da morte e da existência humana.

Deixo aqui, além da sugestão da leitura da obra, o meu elogio à ilustradora que nem conheço pessoalmente, mas louvo-a pela envergadura de tradução e reinvenção de um dos capítulos do grande romance machadiano.

  [...]

 NOTA: Como esta coluna não dispõe de recursos para edição de imagens no corpo do texto, sugiro que confiram a página da autora, disponível em: http://marildacastranhailustradora.blogspot.com para terem acesso às imagens apontadas no texto.

 

 

Por Rosidelma Fraga - 25/10/2012. (http://rosidelmapoeta.blogspot.com)

 

 

 

 

 



[1] Esta foi a única obra de Osman Lins destinada ao público infantil, editada em 1977, relançada pela Companhia das Letrinhas com as ilustrações de Marilda Castanha.