Uma conversa animada com Assis Brasil
Em: 07/06/2007, às 11H47
Eugênio Rego
Para o Galeria
O escritor piauiense Assis Brasil teve seu dia de Roda Viva na manhã de ontem, 6, durante o Bate-Papo Literário, uma conversa informal entre autores e público que acontece todos os dias no Salão do Livro do Piauí. Em uma saleta lotada montada no saguão do Centro de Convenções, o autor de “Os que bebem como os cães” falou por quase duas horas para uma platéia lotada e formada por estudantes jovens e adolescentes.
Assis Brasil vem pela segunda vez ao Salipi. No ano passado ele foi o grande homenageado do Salão; sua presença foi muito marcante porque não vinha ao Piauí fazia alguns anos. Daquela vez não se deixou de notar um certo cansaço e desânimo no semblante de um dos ícones da literatura piauiense.
O motivo seria a dedicação do crítico literário a um livro “A trajetória poética de Ledo Ivo: transgressão e modernidade”, em fase de conclusão na época e publicado recentemente. No bate-papo com a juventude, Assis Brasil mostrou-se jovial e alegre, quase sempre terminando suas frases com uma tirada espirituosa.
ESCRITA E RESISTÊNCIA - O escritor relatou sua trajetória, destacando passagens como a resistência e o enfrentamento da ditadura nos anos 1960 e o difícil ofício de escrever. “Nós escritores tínhamos que mostrar o que estávamos escrevendo para os censores antes que fosse publicado”, lembrou.
Memórias a parte, Assis permitiu-se fazer confissões sobre sua técnica de escrita. “Fui beneficamente influenciado por Machado de Assis’, revelou, contando que sempre gostava de escrever muito para adiantar as páginas de seus livros.
Mais uma influência assumida por ele foi o americano Wil-liam Faulkner, romancista, contista e poeta americano considerado um dos mais extraordinários escritores do século XX.
Uma de suas características é entrecruzar histórias de forma que o leitor perceba mais tarde seus universos singulares quando comparadas.
Fã confesso de Faulkner, Assis Brasil disse que com ele aprendeu uma lição de humildade: “O narrador, o escritor n ao sabe tudo.”
Consciente da lição do professor americano, o escritor piauiense sentiu-se ainda mais à vontade para declarar que não gosta do final de “Os que bebem com os cães” – um de seus romances mais pungentes.
No desfecho, o protagonista Jeremias se suicida, depois de passar por todas as agruras da prisão. “Não tive outro meio de terminar a história. Apesar disso não gosto deste final. O suicídio romantiza a narrativa (essa não era sua intenção). O escritor tem liberdade de não gostar do que faz”, afirmou Brasil.
O entrevistado do bate-papo confessou também que sofre muito ao reler seus livros. Perguntado sobre como consegue transpor tanta dor para o papel – caso de Jeremias – ele usou a fala de outro ídolo para responder. “Fernando Pessoa disse que o escritor é um fingidor e finge que sofre.”
CLASSE LITERÁRIA - Entusiasmado pelo clima de descon-tração, ele usou de uma classe pouco vista para se desvencilhar de perguntas como por que a Ediouro, editora que detém os direitos de publicação de sua obra ainda não fez nenhuma edição de luxo de seus livros. Assis desviou a atenção da platéia e do interlocutor, o professor Luis Romero, com uma brincadeira. Ninguém sentiu falta da resposta.
Mas Assis Brasil não se esquivou de comentar a “literatura de modismos”, aquela causada por livros como Harry Potter, da inglesa J. K. Rowlling, que só são lidos por jovens e adolescentes por causa do apelo pop – esses mesmos leitores não se interessam por outros autores, como Monteiro Lobato por exemplo.
“Como todo best seller esse Harry Potter tem um tempo de sobrevivência. Ele é uma macumba, uma feitiçaria, mas vai desaparecer ”, disse ele, provocando gargalhadas na platéia.
Sem exercício de futurologia, não é difícil prever a grande quantidade de mais admiradores e leitores que Assis Brasil fez em apenas duas horas de conversa numa manhã do Salipi.
Diário do Povo, 7.06.2007