Uma certa lembrança de Natal

Uma certa lembrança de Natal

Elmar Carvalho

Um amigo me solicitou fizesse um texto sobre um certo aspecto do Natal. Tentei atender esse velho amigo. Mas não consegui. Me faltou jeito, talento, engenho e arte, e até a memória não me foi propícia. Não me lembrei de certos detalhes e não me veio à mente nada que eu considerasse relevante para um texto literário.

O que me veio à memória, com muita insistência, foi a lembrança de um presépio humilde, como a gruta em que Jesus nasceu, feito de papel, que meus pais montaram em minha infância. O abrigo e as figuras eram recortadas e pintadas, e deveriam ser montadas e grudadas no local indicado do piso.

Ali estavam os hieráticos reis magos – Gaspar, Baltazar e Melchior – com os seus presentes, os humildes pastores, o anjo com sua trombeta, a estrela e alguns animais, como ovelhas, um camelo e um burro. José e Maria, a sagrada família, se postavam ao redor do berço do menino Jesus, em atitude acolhedora e de adoração.

Porém o mais importante era a devoção e o respeito de meus pais para com a sagrada família, o modo como eles falavam do nascimento de Jesus. Não havia preocupação com comidas, presentes e muito menos bebida. O simbolismo religioso daquele simples presépio de papel cartonado é o que importava.

Para lhe dar maior beleza, minha mãe lhe adicionou um espelho com areia ao redor, para simular uma pequenina lagoa, e plantou numa lata sementes de arroz, cujas plantinhas, tenras e muito verdes, simulavam capim. Ainda hoje não esqueço o lindo verde daquele pequenino arrozal, que encheu de vida, graça e beleza o humilde (humilde como o verdadeiro) presépio de meus pais.

Esse presépio, que não me sai da memória, ainda foi montado, creio, mais duas ou três vezes, e se perdeu amarrotado em algum desvão do tempo, e meus pais agora são saudade, encantados na celestial eternidade. É a lembrança desse presépio de papel e a doce saudade de meus pais, que me punge a alma neste instante de suave melancolia.

E isso me traz à lembrança um tempo em que eu acreditava no papai Noel. Será se eu ainda acredito no bom velhinho? Talvez. Porque eu ainda acredito que este nosso mundo será um mundo melhor, com pessoas melhores. E essa crença é o meu melhor presente de Natal.