Pertenço à geração daqueles que tiveram uma formação que, hoje, chamariam de quase anacrônica, ou seja, a de jovens que, mais cedo ou mais tarde, descobriram a importância dos estudos clássicos, do latim, do grego, da gramática
                      Fui, portanto, instruído nos estudos gramaticais, de preferência, sob o rigor da normatividade culta, lição que logo aprendi em casa, lendo e vasculhando os livros de meu pai. E ali estavam Laudelino Freire, Cândido de Figueiredo (gramático português), Otoniel Mota, Carlos Góis, Mário Barreto, Fausto Barreto, o pai de Mário e a gramática, a de nível elementar e a de nível superior, que mais usei na época, a do filólogo paulista Eduardo Carlos Pereira. Ao falar de Fausto Barreto, me lembro da dupla, o pai, Fausto e Carlos de Laet, que organizaram a velha e famosa Antologia Nacional, lida por gerações de estudantes pelo país afora. Laet era um latinista de mão cheia e também polemista, respeitado até por Rui Barbosa. De autores para o estudo do latim havia a gramática de Mendes de Aguiar, que uma vez traduziu para o latim o hino nacional e que, por sinal, foi professor de meu pai no Rio, não sei se no Colégio Salesiano, em Santa Rosa, Niterói. Havia também a gramática latina de Ladislau Peter, uma velhíssima gramática latina de autor estrangeiro traduzida e do tempo do Brasil Segundo Império, que ainda tenho comigo, mas em estado deplorável. Isso tudo se passava nos finais dos anos de 1950 e 1960.
             Veio, então, a exclusão, em 1963, do latim do currículo do ginásio, com a qual não concordei e, na minha indignação juvenil, sapequei num jornal de Teresina um artigo com o título condenatório “Por que a exclusão do latim?” Ninguém deu atenção à minha revolta, anônima, isolada e juvenil revolta. O latim, porém, permaneceu no chamado curso clássico, mas era uma incoerência que se fazia com o estudo dessa língua, a qual, no o ginásio propiciava os primeiros passos, com estudos de texto básicos, das fábulas , até chegar ao De Bello Gallico, de Júlio César (100-44 a.. C.). No clássico os alunos iriam enfrentar o Cícero (106-43 a. C.) das Catilinárias. No entanto, como o aluno iria no clássico enfrentar Cícero (106-43 a. C.) se, no ginásio, excluíram os rudimentos da língua latina?
            Ora, a exclusão do latim deixou uma lacuna imperdoável no currículo escolar brasileiro e foi um retrocesso nos estudos de humanidades quando se sabe que centros avançados de cultura, como a Alemanha e os Estados Unidos, ainda hoje reservam um lugar proeminente para o latim. Uma vê, o grande lingüista brasileiro Matoso Câmara Jr., meu ex-professor, fez referência a essa questão. 
            Com o alijamento do latim, sofreu uma grande golpe o sistema de ensino do país, que foi logo sentido nos estudos de Letras de universidade públicas onde ainda, a duras penas, se cultivam o grego e o latim até ao nível de doutorado. Em universidades particulares, só algumas ainda mantêm o latim. O grego, nem se fala, só talvez na PUC. Essa carência de estudos greco-latinos mesmo nas universidades públicas, já se faz sentir pelo nível dos novos alunos que vão chegando à universidade. Até nessas instituições públicas, caiu o número de alunos que procura tais estudos. Desta forma, a filologia dos estudos helênicos e românicos tendeu a enfraquecer e mesmo a fazer apenas parte de uma área maior de estudos da língua. A filologia , na verdade, foi perdendo cada vez mais terreno para os estudos da língua e da lingüística, tornou-se apenas ancilar a esses dois campos das Letras. A raiz está, não se pode negar, no desprestígio em que caíram o grego e o latim. É bem provável que os lingüistas de hoje, os mais jovens nem saibam ler no original um texto simples de latim e grego. 
         A ciência lingüística clássica como tal, se constituiu nos fins do século 19 e tomou um forte impulso nas décadas seguintes, logo depois sofrendo um certo desprestígio com o advento dos estudos de análise do discurso – hoje um campo privilegiado nos arraiais da pesquisa dos estudos da linguagem, com fortes repercussões nos hábitos dos estudos de redação e interpretação textual. . A chamada gramática normativa, da mesma sorte, perdeu prestígio, sobretudo em face da questão do certo e errado no uso da língua falada. O gramático, nos meios acadêmicos, perdeu aquela antiga aura dos tempos passados. As pesquisas, em geral, só se concentram mais na atualidade dos estudos da linguagem e das suas complexidades. Por isso, não têm mais tempo para aqueles velhos autores.

         A filologia, como corpo de estudos da linguagem, não faz mais parte do currículo de Letras. A explicação para isso é patente: quem está disposto a enfrentar com paciência os cansativos anos debruçando-se sobre textos e manuscritos antigos, medievais, enfrentando o mofo e a poeira dos arquivos das velhas bibliotecas européias ou brasileiras? Os estudos do latim vulgar, da etimologia, da lexicografia, da filologia portuguesa, românica e clássica, em nosso país, conheceu uma plêiade de estudiosos, alguns de altíssimo nível, como Mário Barreto, João Ribeiro, Serafim da Silva Neto, Carlos Góis, Vandick Londres da Nóbrega, José Cretella Jr.,Celso Cunha, Otoniel Mota, Gladstone Chaves de Melo, Sílvio Elia, Ismael de Lima Coutinho, Silva Ramos, Said Ali, Evanildo Bechara, Artur de Almeida Torres, Ernesto Faria, Sousa da Silveira, Eduardo Carlos Pereira, Cláudio Brandão, Herbert Palhano, Clóvis Monteiro, Cândido Jucá (filho), Nelson Romero, Francisco da Silveira Bueno, Urbano Canto, Teodoro Mauerer, Antenor Nascentes, Jesus Belo Galvão, Antônio José Chediak, Celso Pedro Luft, Leodegário Amarante de Azevedo Filho, entre outros, scholars que tornaram os estudos clássicos, a nossa filologia e os estudos gramaticais um campo avançado na área de Letras com repercussão até nos grandes centros europeus e norte-americanos. 
       Entretanto, a mídia pouca atenção concede tanto aos antigos filólogos, gramáticos e lingüistas, mas também pouco espaço reserva aos estudiosos dos estudos da linguagem na atualidade. A maior parte dos autores antigos está completamente esquecida hoje nesse mundo do imediatismo, do hic et nunc desenfreado, numa posição de costas para o passado, perdido numa espécie de culto ao presente, fetiche da era da robótica e dos chips de um futuro milagroso e irradiante para as gerações do porvir...
        Só para a literatura, em geral, é que os holofotes se voltam. O leitor já viu muitas resenhas sobre questões de lingüística,, gramática textual, análise do discurso? Creio que não. Só a literatura tem visibilidade midiática. Nos jornais ou revistas dificilmente há resenhas ou uma notícia informando sobre o que vem acontecendo no mundo dos estudos da linguagem humana. É uma injustiça. Afinal de contas, esses estudiosos, alguns verdadeiros sábios, necessitam do afago público. Perguntaríamos: eles são culpados? Julgo que não. Seus círculos de admiradores só se restringem aos campi universitários, aos congressos e seminários, enfim, a uma elite, a iniciados, quase uma sociedade secreta. Todavia, isso não é suficiente, cumpre alargar o leque e partir para uma divulgação maior dessas individualidades. Nas páginas ou cadernos culturais, é preciso divulgá-los, entrevistá-los, saber do que andam pesquisando ou publicando, fazê-los conhecidos dos leitores.
       Infelizmente, nos meios acadêmicos existe compartimentação entre os estudos literários e os de linguagem, como se os dois domínios do saber fossem separados ou tivessem que ser separados. Não posso negar que há um certo dissenso no que respeita a uma iniciativa aberta e acolhedora tanto por parte dos lingüistas e gramáticos quanto da parte dos críticos, teóricos da literatura, escritores de ficção e poetas. Não deveria ser assim. Concordo com o fato de que há limites de interesses concentrados nas áreas da literatura e da língua/linguagem. Mas, urge reconhecer que vivemos num mundo de pesquisas interdisciplinares, transversais.
       Conclamo, por conseguinte, que a Academia Brasileira de Filologia, a Academia Brasileira de Letras, a União Brasileira dos Escritores,o Pen Clube do Brasil e outras entidades similares procurem realizar um debate amplo e democrático no sentido de aproximar estudiosos da língua/linguagem da literatura, da teoria literária, da história literária, da crítica e da criação literária. Conclamo ainda que aquelas instituições culturais e científicas envidem esforços a fim de que um lingüista, um gramático, um crítico, um ensaísta, enfim, um escritor tenham maior visibilidade – para usarmos a palavra do momento – na mídia, sejam mais reconhecidos pelo público em geral e não permaneçam, como estão, encastelados como se fossem monges em mosteiros medievais.