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Um vínculo empregatício

 
Mesmo não existindo um vínculo empregatício legal entre o seringalista e o seringueiro, o primeiro impunha ao segundo um regulamento, determinando os seus direitos e deveres. Deve-se ressaltar que a obediência ao regulamento também se estendia aos gerentes de depósitos, guarda-livros, encarregados de escrita, empregados de balcão, comboieiros, fiscais, empregados de campo, diaristas. Um regulamento de 1934, dos seringais de Octávio Reis, transcrito por Samuel Benchimol em seu livro Romanceiro da batalha da borracha, esclarece, na abertura, a necessidade de sua existência.

‘Toda a nação tem as suas leis para por ellas reger-se, e se, estas leis não são obedecidas por seus habitantes será uma nação em completa desorganização, onde não poderá haver garantias para os que nella vivem, nem para quem com ella mantiver negócios.
Sucede o mesmo com toda a sociedade que tem os seus estatutos para por elles regerem-se os seus sócios, e se não se obedece a elles será uma sociedade desbaratada e sem duração. Até nas casas de famílias, para serem bem organizadas, teem que obedecer a uma ordem, sem a qual virá logo a desorganização, e dahi os resultantes desgostos de família, que infelizmente é o que mais acontece.
Como, pelo que vemos, tudo precisa de organização e ordem. Um Seringal, por exemplo, onde habitam centenas e centenas de almas, com diversos costumes, sexos diversos, e até nacionalidades diversas, não póde deixar de ter o seu regulamento, pelo qual todos os seus habitantes possam orientar-se de seus deveres de acordo com as posições e trabalho de cada um’.

O caráter mercantil do seringal é substituído em determinada passagem do regulamento pelo conceito de família. “[...] Precisamos notar que no seringal somos uma só família no cumprimento de nossos deveres, sem excepção de raça, crença religiosa, nacionalidade e posição [...].” Nos deveres dos gerentes encarregados dos depósitos, o regulamento prescreve na linha “h” a exata importância do freguês ou seringueiro nas relações “familiares” do seringal: “[...] o freguez só é amigo e cumpridor dos seus deveres quando tem saldo.” A lógica mercantil do lucro é ressaltada na linha “c”, componente dos deveres dos empregados de balcão:

[...] o productor perde dois ou treis dias para vir do centro reclamar uma caixa de fósforo que lhe saia por engano a mais na sua conta, deixando de produzir muitas vezes por este pequeno engano, borracha que lhe daria para comprar uma lata, ficando por este facto mal visto tanto o empregado do balcão como o guarda-livros que forneceu a nota, e por muitos são ainda considerados de ladrões. Portanto é preciso a maxima attenção para não se enganar nem a favor nem contra a casa.

Samuel BENCHIMOL, Romanceiro da batalha da borracha, p. 97.
Ibid., p. 97.
Ibid., p. 98.
Ibid., p. 99.