UM THRILLER
Por Washington Ramos Em: 25/05/2025, às 20H30
[WASHINGTON RAMOS]
UM THRILLER
Não gosto de usar palavras de outros idiomas em textos que escrevo. Porém, como não encontrei, em nossa Língua Portuguesa, outra melhor para retratar o que vou escrever sobre o romance Vidas em contraste, de José Expedito Rego, vai mesmo a que dá título a estas linhas, a qual significa uma narrativa, seja filme ou livro, com muito suspense, provocando interesse e ansiedade no leitor ou cinéfilo durante o desenrolar da ação.
Mas Vidas em contraste vai muito além de um thriller. É muita coisa em suas 133 páginas. Tudo gira em torno de dois casais: Calu e Martinho; Isabel e Boaventura. Há outros casais e outras personagens, mas esses dois concentram a maior parte da ação narrativa. Dessas quatro figuras, o destaque maior é para Calu e Boaventura. Ela é uma mulatinha linda e meiga, que é seduzida por vários homens até encontrar Martinho, com quem se amiga por iniciativa dele. Ela sempre foi altiva e nunca foi atrás de homem nenhum. Eles é que sempre dão em cima dela. Martinho, além de dentista, é de uma família tradicional cheia de preconceitos. O leitor pode muito bem imaginar o que a sociedade oeirense diz dele quando seu casamento se acabou exatamente para ele se amigar com uma mulata. Todavia nada abala sua vida com Calu. Ódio, indiferença, xingamento, nada consegue destruir o amor dos dois, que segue firme até o desfecho da narrativa. Isso é um bom exemplo de determinação e de que não tem o menor valor aquilo que se diz sobre a vida de um casal. Sente-se que Martinho é o alter ego do autor, que também sofreu muito preconceito por ter se casado com uma mulata e por ter editado um jornal em Oeiras, coisa que Martinho também faz no romance.
Já Isabel é o tipo de mulher feia e sem graça, muito solitária, meio desprezada até mesmo pelos pais. Sua única beleza está nas coxas, que uma vez Boaventura, sem querer, viu quando ela atravessava um riacho com o vestido levantado. É tão insípida e desajeitada, que outros personagens chegam a imaginar que ela é assexuada. Mas aí é onde todos se enganam. Passa a maior parte de seu tempo fazendo renda de bilro. Em momentos de folga, ela vê animais copulando e começa a despertar para o sexo. Seu interesse cresce de tal maneira, que ela se apaixona por Boaventura, um negro empregado da fazenda Buritizal, de propriedade do pai dela, um latifundiário, e dá em cima dele com muita intensidade. Ele procura se sair, evita-a, diz que não é certo, que ele não é da igualha dela, que ele deve fidelidade ao coronel Altino (pai de Isabel). Mas ela insiste, convida-o para ir ao quarto dela à noite, ele continua negando, e ela diz que ele não é homem. É bom parar por aqui para não antecipar o enredo todo ao leitor. No entanto este já percebeu, com ansiedade, que já temos um pouco de thriller nesse pequeno trecho. Temos mais suspense mais na frente, já perto do final do livro quando há uma perseguição implacável numa mata cheia de espinhos e à noite.
Não conheço outra narrativa de autor piauiense que tenha um caráter de thriller tão forte como Vidas em contraste, e isso não diminui o caráter estético e literário do livro. É uma obra de arte, que destoa da maioria dos romances aqui publicados, pois estes, muitas vezes, são excessivamente introspectivos e labirínticos, o que termina por desanimar o leitor. Seu valor estético se confirma também na linguagem do autor, que é rica nas descrições e na caracterização das personagens. O remorso de Boaventura quando está se relacionando com Isabel é um primor de introspecção sem cansar o leitor.
É um romance que merece ser reeditado e lido.