Um "sonnet" de José Albano
Em: 17/07/2009, às 18H48
Um "sonnet" de José Albano
Cunha e Silva Filho
José de Abreu Albano (1822-1923) foi uma figura solitária de poeta, até mesmo uma figura excêntrica. Ao contrário de outros poetas brasileiros que procuraram filiar-se às correntes poéticas de seu tempo, Albano preferiu o caminho da contramão da História. Nasceu em Fortaleza, no Ceará e bem cedo foi estudar na Europa, em Paris., Londres, Áustria. Na Europa morreria pouco mais de quatro décadas depois. Portanto, sua vida foi curta, mas cheia de movimentações , viagens por diversos países, inclusive regiões asiáticas, em parte pelas funções exercidas, como a de secretário do Barão do Rui Branco, em Londres e a de “vago attaché” em diversas embaixadas no exterior. Tais dados biográficos estou colhendo de um ensaio magnífico – “José Albano” de Agripino Grieco1
José Albano teve educação esmerada, aprendera, na Europa, várias línguas antigas e modernas, compunha poemas em inglês de esmerada expressão. Todavia, o que mais lhe deu notoriedade era sua inusitada forma de escrever poesias que o tornavam um poeta anacrônico, um vate cuja identificação melhor se deu com uma estrutura poética que mimetizava processos de composição de Camões ou de Petrarca. Essa forma de imitação longe estava de ser servil. Sua admirável cultura humanística, sua fina inclinação para absorver ou assimilar o quinhentismo, sobretudo Camões, livraram-no de mero epigonismo forçado e ralo de criatividade. Pelo contrário, o alcance de seus poemas, pela íntima convivência de leituras dos clássicos, o fizera ombrear-se com a mais requintada expressão da poesia quinhentista. Massaud Moisés2 diria que isso não seria mera influência que sobre ele exerciam a leitura e o conhecimento apurado das técnicas do verso clássico, mas uma “empatia’ que o predispunha a compor seus poemas com se fosse um contemporâneo de autores do quinhentismo principalmente lusitano. Sua dicção poética se deixava espontaneamente infundir do espírito, do estilo, dos temas e das formas puras do verso camoniano. Era um experimentalismo , se é que assim podemos ,só realizado mercê de um talento genuíno e criativo. Esta forma de poetar de maneira arcaizan te nele, a meu ver, era orgânica, ao contrário do que ocorreu com Da Costa e Silva, no qual o experimentalismo era mais uma forma de exercitar-se poeticamente talvez pelo simples gosto de se testar escrevendo versos de sabor clássico. Da mesma sorte, o fazia Manuel Bandeira com seus poemas à feição do século 16.3 Em ambos, além do fundo nostálgico-romântico, havia a predisposição ao ludismo experimentalista, à mera recriação da experiênica técnico- formal com o fazer poético, afastando-se, pois, da famigerada inspiração. Em ambos a fatura poética vem do trabalho incansável de sondagem, de especulação com a linguagem, ou seja, como exercício metapoético.
Alfredo Bosi,o situa entre os epígonos do Parnasianismo, ou seja, no neoparnasianismo, junto de poetas como Goulart de Andrade, Martinns Fontes, Hermes Fontes, entre outros.4Manuel Bandeira* o considera “fora dos quadros da poesias brasileira "e literariamente o classifica como um poeta de sabor quinhentista, um cultor privilegiado dos valores mais puros da língua portuguesa, verdadeira obsessão dele. De minha parte, diria que seu intertexto foi com os clássicos, pouco se importando em poetizar como os seus pares dos séculos 19 e das duas primeiras décadas do século passado.
Bandeira ainda se reporta às duas fases de sua poesia: a mística e a pagã, representada, respectivamente, pela obra Comédia Angélica, assente no louvar as raízes cristãs e pelo poema “Triunfo”, explorando temas da Grécia mitológica e pagã.
A crítica , em geral, tem reconhecido o real valor desse poeta “inatual”, que, segundo as palavras de Graça Aranha, que o conheceu na Europa, “... desprezava a vida moderna”.5
O velho crítico Agripino Grieco6, no ensaio citado linhas atrás, entre afirmações pessoais de atilada percepção crítica, faz referência à observação pertinente de Luiz Aníbal Falcão segundo a qual o poeta, rival em pé de igualdade com os poetas do quinhentismo, nunca embaralhou o lado de desequilíbrio de sua personalidade com a lucidez intelectual na fatura de seus poemas. É que, no domínio da criação estética, o lado aparentemente bizarro do poeta como que se anulava. Saíam vitoriosos os poderes e mistérios das Musas durante a recriação genial de um universo poético configurado na distância do tempo e do espaço. Seu talento o impulsionava a realizar-se poeticamente no contexto espiritual deslocado da sua própria contemporaneidade. Era esse o seu espaço poético em que se sentia confortável e no qual mergulhava fundo em direção a um mundo feito de razão, equilíbrio , pureza da língua e universalidade, além de devoção e incondicional culto a Luiz Vaz de Camões. Um de seus poemas é considerado pela crítica como um dos melhores que a humanidade produziu.
José Albano deixou as seguintes obras: Comédia Angélica de José Albano(1918) já mencionada, Redondilhas (1912), Alegoria, Rimas a José Albano - Canção a Camões e Ode à Língua Portuguesa, Rimas de José Albano –) Four sonnets by José Albano with Portuguese-Translation (1918), Antologia poética de José Albano(1918). Bandeira reuniu, organizou e prefaciou ´os poemas todos o poeta sob o título, edição da editora Pongetti, Rio de Janeiro. 7
A grande crítica sempre reconheceu o valor altíssimo da poesia de Albano, ainda que, conforme lembra Massaud Moisés,8 o poeta está a merecer novas leituras e, se possível, estudos atualizados sobre o seu verso.
O soneto de José Albano9, cuja tradução bilíngue segue mais adiante, embora siga a estrutura de número de versos respeitando o modelo do soneto shakespeariano, não o faz no que concerne ao esquema rimático. O soneto inglês se constitui de catorze versos, distribuídos em três quartetos e um dístico final.10 Sua disposição de versos na página se faz sem espacejamento, e não como n o soneto em língua portuguesa, calcado, de resto, no modelo de forma fixa italiano no qual.os quartetos e os tercetos se dispõem graficamente em “corte nítido”,11 ou seja, espaçado.
Albano, entretanto, no que diz respeito à disposição da estrutura estrófica e espacejamento, dessa forma poética, segue as lições do soneto shakespeariano e spenseriano, i.e., três quartetos seguidos de um dístico final, segundo acima frisamos. Todavia, Albano, com relação ao dístico, não o dispõe pelos dois esquemas do soneto inglês: a) soneto shakespeariano a b a b c d c d e f e f g g; b) soneto spenseriano: a b a b c d c d e f e f g g. Atente-se para o fato de que nesses dois tipos de sonetos, as rimas são emparelhadas. José Albano, no entanto, no soneto aqui ilustrado, opta pelo esquema a b b a a b b a c d e d f d, quer dizer, no tocante ao dístico final, não se alinha nem ao soneto shakespeariano nem tampouco ao spenseriano.
Manuel Bandeira, tão aberto por vezes às formas livres, no “Soneto I”, tanto quanto no “Soneto II” de sua obra, revela-se rigoroso estribando-se no modelo shakespeariano.12
“The sonnet” por mim traduzido e ora apresentado ao leitor, na forma bilíngue que venho modestamente adotando nas minhas traduções desta coluna, confirma a competência de José Albano em expressar-se liricamente na língua inglesa. Neste soneto, Albano tematiza a fugacidade do Tempo e a condição da pessoa humana confrontada entre o dilema da perda das realizações (dreams, sonhos) e o da perenidade inescapável dos sofrimentos e aflições da vida. Segue, abaixo, o texto de José Albano:
Sonnet
How sweet it is after the strife of day
To rest profoundly in the arms of night,
Forgetting sorrow, dreaming of delight
That dwelleth in the heavens, far aways
The winged thoughts leave this dark earth and stray
It’the above the stars so pure and bright,
Trying to filch one ray of golden light
Which strangely glimmers on the Milk Way.
But Time, full of fierce wrath and cruelty,
Doth hurry on each hour that comes and goes,
And swifltly do our happy moments flee.
Night fades away and with it ends repose
And risng morning brings relentlessly
Death to my dreams and life to all my woes.
Soneto
Após a luta quão doce é o dia
Nos braços da noite repousar profundamente,
Olvidando tristezas, sonhando com a delícia
Que nos céus habita longinquamente
Pensamentos alados deixam esta terra escura, perdendo-se,
Tão puros e brilhantes, no alto das estrelas,
E roubar procuram um raio de áurea luz
Que estranhamente brilha na Via Láctea,
O Tempo, contudo, cheio de incontida fúria e crueldade,
Passa, veloz, a cada hora que vai e vem,
E leva parara longe os nossos instantes de felicidade.
Esvai-se a noite e com ela o descanso finda.
E incansavelmente, cada manhã traz.
A meus sonhos morte e a todos as minhas aflições, vida..
NOTAS
1 GRIECO, Agripino. “José Albano. In: --- São Francisco de Assis e a poesia cristã. Prefácio de Donatelo Grieco. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1968, p. 283-292.
2 MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. Vol. II – Realismo e Simbolismo. Ed. ver. e atualizada. 4. ed São Paulo: Cultrix, 2004 , p. 205.
3 Sobre esse assunto, ver meu Da Costa e Silva: uma leitura da saudade. UFPI?APL, 2006, p. 47-48.
4 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 38. ed Sãoç Paulo: Cultrix, 2001, p. 220.
5 MOISÉS, Massaud. Op. cit., p.205, nota 12.
6 GRIECO, Agripino. Op. cit., p. 286-287. Aníbal Falcão é autor do livro Do meu alforge. Rio de Janeiro, 1945 Consultar:MOISÉS, Massaud e PAES, José Pulo. (org.) Pequeno dicionário de literatura brasileira. 2. ed São Paulo: Cultrix, p. 21..
7 BANDEIRA, Manuel. “ Apresentação da poesia brasileira. In: -- Poesia completa e prova. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 4. ed reimpressão, 1986, p. 594-596.
8 MOISÉS, Massaud. Op. cit., p. 207.
9 Apud MATOS IBIAPINA, J. De. From Facts to grammar. Porto Alegre: Editora Globo, 1933, p. 129-130.
10 CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 2. ed Rio de Janeiro; nova Fronteira, 1985, p. 690-692.
11 KAYSER, Wofgang. Análise e interpretação da obra literária - Introdução à Ciência da Literatura. 7. ed. portuguesa totalmente ver. pela 16 alemã por Paulo Quintela. Coimbra: Armênio Amado, Editora, 1985, p. 98.
12 BANDEIRA, Manuel. Op. cit., p. 252.