Rogel Samuel
 
            Um sábado em que nada há que dizer, senão esperar. Dia de luz azul, de muita luz azul. Cuja madrugada, de ares limpos, lembra uns versos de Drummond: "Aurora, / entretanto eu te diviso, ainda tímida, /  inexperiente das luzes que vais ascender /  e dos bens que repartirás com todos os homens." Será um tempo em que, tudo o que se disser, será pouco. Onde "o triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos, /  teus dedos frios, que ainda se não modelaram / mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório." E onde se conclui que "havemos de amanhecer."
Quando se quer ser tolo, acreditamos na esperança, naquilo que Ernst BIoch chamava de "O Homem Como Possibilidade" : "A realidade não é uma grandeza fixa. O mundo não está acabado. É possível enfrentá-lo de outra maneira, e não simplesmente murmurando, ou ainda omitindo-se, servindo-se do oportunismo, instalando-se no quietismo. Tomar as coisas como são, não é uma fórmula empiricamente exata. Não é positivismo. É uma fórmula de vilania, de covardia, de mesquinharia. O que são as coisas - esses momentos num processo que chamamos fatos? Estão fluindo. Foram feitos e por isso mesmo são suscetíveis de serem modificados. Persiste sempre a possibilidade de alteração. Isso pressupõe o domínio do acaso. Que haja espaço para a contingência - até à indeterminação física, até a indeterminação histórica, que é tanto mais importante."
 
Um sábado em que é hora de reler Castro Alves:
 
Oh! Eu quero viver, beber perfumes  
Na flor silvestre, que embalsama os ares;  
Ver minh'alma adejar pelo infinito,  
Qual branca vela n'amplidão dos mares.  
No seio da mulher há tanto aroma...  
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...  
Árabe errante, vou dormir à tarde  
A sombra fresca da palmeira erguida

            Além de até citar, sem ironia, um certo texto tão conhecido:
"Artigo 3. - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 
  I. - construir uma sociedade livre, justa e solidária; 

  II. - garantir o desenvolvimento nacional; 
  III. - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 
  IV. - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. "
Ah, que isto, esta crônica só de citação feita, vai acrescentar o que disse Bloch: "Deve-se mergulhar por sobre o horizonte. Naquela dimensão difícil da realidade, que não é nem o ser presente nem o ser em processo mas o ser que ainda não é. Na esfera do Novum, da mediação do agir, do receio e da esperança."

            Afinal, hoje é sábado. E há muito eu não escrevia no sábado, na “crônica da sábado”.
 
Branca vela errante, branca vela errante,
Como a noite é clara! como o céu é lindo!
Leva-me contigo pelo mar... Adiante!
Leva-me contigo até mais longe, a essa
Fímbria do horizonte onde te vais sumindo
E onde acaba o mar e de onde o céu começa...

São versos de Vicente de Carvalho. Eu gosto muito desses versos, dessa repetição que aponta o infinito, que indica o que é claro, o que é lindo, que convida a ir, a navegar adiante, até o longe, até onde acaba a linha do horizonte. Na realidade aquelas imagens se apóiam nas assonâncias e rimas de “ante” de “errante”, de “horizonte”, de “onde”. Tudo se faz na possibilidade, na aurora, na mudança. No futuro. Pois se não estivéssemos no tempo, se não houvesse tempo, nada haveria. Nós estamos no tempo, no processo do tempo, “de ser o que ainda não somos, na mediação do agir, do receio e da esperança”.