UM RESGATE PARA THALES ANDRADE

Miguel Carqueija

 

            Passei uma boa parte da minha infância lendo Thales Andrade (1890-1977), os livrinhos da série “Encanto e Verdade”, editados pela Melhoramentos, que a minha mãe me comprava.

            Thales Castanho de Andrade já era um nome antigo nos anos 50 e 60. A coleção em questão, reeditada, totaliza 26 volumes ilustrados, e eu cheguei a ler os seguintes títulos: “A filha da floresta”, “El-Rei Dom Sapo”, “Bem-te-vi feiticeiro”, “Dona Içá Rainha”, “Bela, a verdureira”, “Árvores milagrosas”, “O pequeno mágico”, “O sono do monstro”, “O caminho do Céu”, “O capítão feliz”, “A fonte maravilhosa” e “Flor de ipê”. Fora da coleção li um volume mais grosso, “Itaí, o menino das selvas”, repleto de folclore brasileiro. Nunca localizei a sua continuação, “Itaí fora das selvas”, e outras obras como “Totó judeu” (volume 6 de “Encanto e Verdade”).

            Ele também publicou um romance, “Saudade”, por outra editora, a Cia. Editora Nacional. Por circunstâncias da vida comecei certa vez a ler este livro, e jamais terminei. Era um exemplar emprestado.

            Os textos de Tjales Andrade são límpidos, sadios, brasílicos e cristãos. A sua imaginação era bastante fértil. Pode ser considerado um grande defensor da ecologia, quando ainda nem se falava nisso. “A filha da floresta” tem no seu pórtico a observação: “contra a devastação das matas”. “Dona Içá Rainha” e “El-Rei Dom Sapo” mostram, em forma de fábulas, a cadeia ecológica do campo brasileiro, a função de animais como sapos, são valiosos livros que ensinam as crianças a respeitar a natureza. O mesmo se pode dizer de “Árvores milagrosas”, que exalta a laranja.

            “A filha da floresta”, que abre a coleção, é uma maravilha. Aliás há quem reivindique para esta obra o pioneirismo na literatura infantil brasileira, pois surgiu em 1919, um ano antes de “Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato.

            “Bem-te-vi feiticeiro” é um extraordinário libelo contra a matança de passarinhos feita até por crianças com seus estilingues. O autor inclusive apresenta um quadro demonstrativo da quantidade de insetos nocivos que os passarinhos devoram, beneficiando as plantações.

            “Itaí, o menino das selvas”, é um romance infanto-juvenil indianista, ilustrado, uma preciosidade da nossa ficção folclórica e fantástica, que poucos dos nossos autores intentam (atualmente o Roberto Causo com seu personagem Tajarê). Nele desfilam figuras clássicas como Anhangá e Boitatá, a cobra de fogo. E, no centro de tudo, o indiozinho idealista, de doze anos.

            “O pequeno mágico” é uma narrativa de aventuras e naufrágio. “O sono do monstro”, uma mensagem extraordinária contra a guerra. Ela é personificada por um monstro que em vigília provoca as conflagrações; se dorme, porém, vem a paz.

            Eu muito gostaria de ler toda a obra de Thales Andrade; porém, até onde eu sei, ele nem é mais reeditado.

 

Rio de Janeiro, 30 de janeiro a 2 de fevereiro de 2011, texto revisto e ampliado em 22 a 27 de dezembro de 2024.