UM PLANO PARA A PROTEÇÃO AOS ANIMAIS DOMÉSTICOS

Miguel Carqueija


    É absolutamente certo que a carrocinha de cães é a pior forma que existe de enfrentar o problema da raiva canina e dos animais abandonados. Por isso é preciso considerar um outro esquema, justo, racional e exeqüível. O que não é possível é admitir que a instituição da carrocinha continue achacando a população, seqüestrando animais sadios e cobrando resgates extorsivos, sob pena de matança dos pobres animais e traumatização de crianças e adultos.
    Eis o que é preciso ser feito:
    Antes de mais nada, consideremos a posse inicial de um animal. Cães, gatos e outros bichos são vendidos em simples lojas. Quem os compra leva para casa seres vivos, que podem contrair moléstias ou causar danos, sem assinar nenhum termo de responsabilidade. A venda de animais é feita, portanto, ao Deus-dará.
    A maioria dos donos, pelo menos aqui no Rio de Janeiro, não tem discernimento ou sensibilidade para cuidar de seus bichos de “estimação”. Cruel e levianamente eles são abandonados na via pública, ou por serem velhos ou doentes, ou qualquer outro pretexto. É ato criminoso o abandono de um animal que pode, por exemplo, contrair hidrofobia e causar a morte de seres humanos. Quem já ouviu falar de donos presos ou multados por abandono de animal?
    O ponto inicial é que somente o Estado, em convênio com associações protetoras e de criação, poderá efetuar a venda. Assim, haverá postos veterinários (não lojas em que os bichos sejam vendidos como objetos) com as necessárias condições de conforto. Nesses postos, quem comprar um cachorro ou gato receberá no ato um folheto de instruções sobre alimentação e cuidados, vacinas, expressa recomendação de não deixar o bicho com fome e sede e muito menos abandoná-lo e ainda a Declaração dos Direitos do Animal da UNESCO.
    Além disso, o comprador apresentará sua identidade, endereço e telefone, sendo devidamente cadastrado como dono, registrada a sua aquisição, e assinará um termo de responsabilidade pelo qual se comprometerá:
    a) não abandonar o animal, sob pena de processo e proibição de possuir outros;
    b) comunicar imediatamente ao posto a morte, extravio, venda ou doação do animal;
    c) comunicar o nascimento de ninhadas;
    d) comunicar a identidade e localização dos novos donos;
    e) providenciar as vacinas (contra a raiva, vermes, e a múltipla contra cinomose e outras doenças) no tempo oportuno (de “b” a “e” sob pena de multa);
    f) tratar o bicho com dignidade, sem torturá-lo ou mantê-lo na penúria, sob pena de apreensão;
    g) encaminhar o animal ou suas crias ao posto se não os quiser mais e não tiver a quem entregar.
    Talvez alguém julgue isso uma utopia irrealizável, pois não haverá verbas, funcionários, estrutura etc. Acontece que o esquema é perfeitamente viável, inclusive do ponto de vista econômico, como veremos:
    É preciso entender que o posto será de serviços veterinários. Ele terá as seguintes ofertas, que representarão lucro:
    — venda de produtos animais (remédios, rações, coleiras etc.);
    — venda de animais;
    — clínica veterinária, inclusive para operações de castração e esterilizações, reduzindo a procriação;
    — livraria de assuntos pertinentes.

    Para pessoas carentes, operações como de esterilização — necessárias para a solução do problema da procriação canina ou felina, excessivas — ou vacinas, serão oferecidas gratuitamente.
    Quanto aos animais recolhidos da via pública e sem dono que apareça, proponho o seguinte:
    
    — substituir os homens encarregados desse serviço por mulheres, para evitar atos de brutalidade;
    — eliminação da rede enforcadora, pois há meios mais humanitários de capturar animais na via pública;
    — extensão do prazo de reclamação, até três meses, ou mesmo seis;
    — abolição da pena de morte, ou da entrega do espécime para laboratórios;
    — venda ou doação dos animais não procurados e dados como definitivamente abandonados, desde que tratadas as doenças ou mazelas que carreguem;
    — abolição da taxa obrigatória e extorsiva. Desde que tudo seja feito da forma proposta atrás, o dono que vier resgatar seu animal deverá comprovar ter dado queixa do extravio no posto de origem, sob pena de multa.
    
    Haverá casos em que os pais serão relaxados, mas as crianças amam sinceramente seus bichinhos de estimação. Em suma, será preciso julgar com o coração, se aquela família merece de volta o animal no caso por exemplo de extravio não comunicado.
    De qualquer modo, se tudo isso passar a ser feito, reduzir-se-á radicalmente, assim penso, o número de cães e outros bichos abandonados na rua. E sem atos de crueldade da parte do Estado.


(artigo escrito na década de 80, publicado na época pela pequena imprensa, e somente digitado para difusão no meio eletrônico, em março de 2010)
Os protetores podem adaptar ou aperfeiçoar este plano conforme acharem melhor.