CAPA DO LIVRO "AGULHA DE COSER O ESPANTO", DE DIEGO MENDES SOUSA
CAPA DO LIVRO "AGULHA DE COSER O ESPANTO", DE DIEGO MENDES SOUSA

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UM PASSEIO SOBRE “AGULHA DE COSER O ESPANTO”

 

Por Daltro Paiva

 

 

Antes mesmo do primeiro poema o poeta cose o leitor, preparando suas costuras no fiar da leitura. Atencioso que é, preocupa-se com cada detalhe: capa, ilustrações, textura da folha e cheiro do livro. Página a página, o livro foi pensado para remeter ao leitor a intimidade com a obra.

Diego Mendes Sousa inicia seu salto poético com agulha em mãos, ave que é, voa cosendo o espanto em seu leitor. Da revoada a qual baila plano, também, Irineu Santiago, ambos de asas dadas à poesia. Agulha em riste, cose-se o espanto, cose-se o ridículo, cose-se a tessitura do tempo, cose-se o amor que canta o poeta. “A consciência é um milagre”, Manuel já versejava.

O que é então, quando ocorre consciência em seu processo de existir? É o milagre da criação. A obra que lerás, se é que já não leste, é fruto do espanto de uma ave que nos convida ao voo e compartilha o seu espantar-se, o seu bater de asas.

Ao coser o ridículo, como seu emissário, o eu-lírico revela a poesia, desnuda-a e desnuda a si mesmo, ridículo, poeta, nu. Em “Missiva” oferecida à Nélida Piñon, Diego cita Paul Celan – “a poesia é uma espécie de regresso a casa.” E deixa a impressão de que o poema é um diálogo íntimo que mantém com a sua amiga Nélida, onde ambos percorrem o destino, os sonhos, a vida, os erros, a morte, o corpo, a poesia e o tempo.

Em diálogo, Diego e Nélida nos revelam suas almas, a poesia e a vida, que desmascarada, engenhosa que é, passa, ou foge? E torna a ser mistério, imponderada, naquilo em que lhe cabe ser. De todo modo, a vida é o que é. E o que é o poeta na vida? O poeta é sempre “Frugal”:

 

“O poeta é o lojista do mundo

também o camponesinho

do humano

e o viajante sem batismo”

 

Percebem?

 

E a obra continua cosendo o espanto com suas constatações e revelações de ave doída consoada ao nada

 

“O poeta

é aquele

ser risível

que opera,

pesa, sente,

sangra

e galopa

insano.

 

Dói

o espanto

e se descoisificam

os nomes.

 

Como dói o espanto?

Como dói o espanto!

Como dói o espanto.

 

O poeta dói-dói

é essa ave doída

ridícula e ferida

que sonda

 

o abismo

o tempo

a vida

as ruínas

 

e voa

só voa só voa

só voa”

 

“Só voa”, como um pássaro a cantar... Se isto não é poesia, o que mais seria? A “Certeza” de ser o “encanto”, “a casa íntima da alma”, o conhecimento do humano por humano ser sabendo que é homem com pés de barro e cabeça de poesia, a revelar o mistério, mesmo que este viva a escapar, como quem sente em “Vaticínio”

 

“a dor alada

de ter sido

poeta

e profeta

perecidos.”

 

Posto que tem em si “Ars Poetica”, a “vocação de predizer o íntimo” transpassado de poesia que sempre é:

 

“melhor do que nós,

ou mesmo maior,

já que ela é círculo

de girassol e de aventura.”

 

Quanto à definição do poeta, poeta tem definição? Às vezes sim, às vezes não. No caso, parece fruta, dessas aqui da região, em meio às xananas, aos cajus, às espécies silvestres aqui do Delta. Nosso chão de éden, pindorama, ou qualquer nome de paraíso que possamos ter, em qualquer tempo, espaço, tempo-espaço, em qualquer estação cosida pelo tempo ou de cosê-lo. Afinal, “o tempo é um milagre”. Embora seus anzóis não perdoem, ainda que nada se saiba do

 

“destino

nem do homem

o seu vazio.”

 

Nem se saiba sobre suas “hipnoses”, “sentenças” e “catequeses” para que se crie o que nunca irá se ver, não é, Gerardo Diego? Nesta imensa precipitação que é viver, poetar e coser, inclusive, amor. Amor que não nos deixa esquecer de que “a memória é um milagre” que pode acontecer a favor do amor, em suas curvas, e que sejam sempre doces as tuas curvas, ó amada, nesta tragédia de viver em que poeta e eu-lírico cantam seu amor, sua musa. Estrela que brilha, ilumina, aquece o solo fértil de seu amado em seus “ritos” de amor, como quem voa os mares e navega os céus a surfar marulhos “do sal cristalino das ondas do mar do Piauí" e por que não na capa deste livro?

A poesia é o agora, desrazão é ser ilha? Desrazão é não coser o amor e não dançar com a poesia, a palavra poética, por mundos “de além mar". O nosso mar do Piauí, porque aqui o Fernando nos dá licença e mergulha conosco neste Delta Atlântico, e tome poesia! E tome alma! E tome ânimo! Na “beira de rio”, berço aquático deste poeta que está a coser em seu mar, em seu chão Parnaíba, “lendária” de contos, cantos e encantos de uma terra e seus deslumbramentos, por sua musa, por seus torrões, geográficos e imaginários. Aqui, onde o poeta procura e acha: poesia! Querem ver só?! Eis “Agulha de coser o espanto”!

 

 

Ensaio de Daltro Paiva, poeta e psicólogo.

Parnaíba - Piauí

08/08/2023

 

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Daltro Paiva e Diego Mendes Sousa