UM  PAÍS HÍBRIDO E SURREAL

CUNHA E SILVA FILHO

          No Brasil  tudo coexiste nos vários ângulos da vida.  Contudo,  o que  confirma a minha tese  é que  se, em nosso  país,  como em  outros  na América Latina e nas  outras  Américas,  inclusive nos EUA   há riquezas,  milionários,  multimilionários,   hedonismo  nos gastos  pessoais  e sociais,   glamurosos,   festas  e celebrações,  em  outras partes  de um mesmo  país  há  extrema miséria,    fome mesmo,   caos social   e.  portanto ,  injustiça  social.  No entanto,  os  membros dos governos  respectivos  continuam na boa vida de sempre,  com as suas regalias  e privilégios. 

       É dessa dualidade  de vida que  subsiste  o caos  e ao mesmo  tempo a  suposta  normalidade, como vemos  no   nosso  país,  um  misto de desordem  de um  caos   silencioso   e ao mesmo  tempo subterrâneo,    o que me faz  deduzir  que  a calmaria   aparente   é apenas a  ponta de um  iceberg.

       A  estrutura  do Estado Brasileiro  funciona  e a um só tempo  comete  as mais   escabrosas formas de perversidade e isso tanto vale  para a rex  publica quanto  para o setor  privado,  também  cada vez mais  confuso  e  deficiente.  Vive-se  aqui  a dualidade  céu e inferno,  segundo já  afirmei  alhures. Ou seja,  o  país  tem  um vocação  barroca no pior sentido   do termo,   a de permanecer  entre  a pureza e a vilania,  esta vinda sobretudo  do próprio Leviatã.

     Os poderes,   em  número de  três,   por vezes  me dão a impressão de um  faz de conta,  pois comete  erros  e ao  mesmo tempo acertos,  protege e  fere mortalmente,   é justo  e  injusto,  vira  um dicotomia      esquizofrênica nos três poderes. 

      Por outro lado,   o  Legislativo  federal,   estadual  ou  municipal,   com  uma estrutura   similar,   também   é, sem sombra de dúvida,    um vilão   que  se submete  às piores    situações   de poder,  nem mesmo faltando    uma espécie de  conluio   com  o  que é  de  mais   abjeto    de representação   popular,   atrelando-se   às torpezas de membros   que  mais  parecem  chefes de máfias   a serviço  do crime.  Grassa,  no geral,  um  abastardamento de mau-caratismo    de servir,  não à causa  pública,   mas  aos interesses pessoais de parlamentes em  tempos  de   preparação de campanha  presidencial.

      O pior exemplo mais  recente   foi o pacotão  aprovado  pelo  Senado  e chancelado  por todos  os  partidos (para que tantos partidos   inúteis  nesse país  de   gastanças  pantagruélicas). Só  um senador, o  ilustre   político  José Serra,  teve a dignidade ímpar  de  não   concordar   com  essa camarilha  de   politiqueiros de fancaria, de índole meramente   eleitoreira vindo do  próprio  governo federal   que  abriu  as comportas  do  Erário  Público   a fim de bancar   despesas  bilionárias   supostamente de cunho   popular  quando  o que  está  em  jogo sujo   é a decisão  e  os  objetivos escusos  ou declarados   dos que detêm  o  poder    central. Nunca senti tanto  engulho  de  políticos  quando  sinto  atualmente.

        O curioso  é que, em  âmbito nacional,  tudo hoje se culpa   de errado e  malfeitos  à pandemia e à guerra  covarde  praticada  pelos  russos  contra  a Ucrânia. Mentira grossa   para se aproveitarem  os  comerciantes  e   capitalistas brasileiros e estrangeiros   com o aval do  Mister Guedes  e sua  preferência  insana  de conhecido  profeteer,  já que  é  pessoa  ligada a bancos e a investimentos,   onde o dólar   é moeda forte    e,   por   isso,   qualquer   valorização  dessa moeda   reverte ao seu    benefício   pessoal e os seus  assets no exterior enquanto o  povo  brasileiro   morre de fome, de raiva de   políticos e   de um país   à deriva.

         Somos o país   da antítese, dos contrastes   e das injustiças e ao mesmo tempo  somos um país de uma minoria   multimilionárias que não está nem aí  para  a pobreza   gigantesca  e as  grandes    mazelas nacionais. O individualismo  campeia  solto e fagueiro,    enquanto  o amor ao próximo se definha   a olhos vistos. Pobvre   país!

       Estou  numa fase  de  pessimismo  igual ao que acometera  um grande    escritor  e erudito  historiador,  Alexandre Herculano (1810-1877)   que,   por se sentir   desiludido  com os homens  e a  coisa   pública, se afastou definitivamente  da vida social,  cultural    e das instituições   governamentais,   recolhendo-se a uma  vida  solitária  e distanciada da metrópole lusa indo morar até  seus  últimos dias,   na sua  quinta  de Vale de Lobos,  longe das misérias e vilanias  de seu tempo  e  Portugal. Deu um   ponto final às suas  talentosas  e fecundas  atividades  literárias.