[Whashington Ramos]

     ...E literário, biográfico, autobiográfico, histórico, psicológico. Tudo isso é o que se pode dizer sobre Rua da Glória, obra em quatro volumes, da autoria de Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, teresinense, e um dos maiores geógrafos e climatologistas brasileiros. Foi professor da Universidade de São Paulo (USP), com especialização na França. Viajou por vários países e também pelo Brasil, tendo participado, inclusive, da primeira viagem de pesquisa ao Planalto Central, a qual serviu de base para a construção da atual capital da República.

     O fato que primeiro surpreende o leitor dessa obra monumental é que ela, numa extensão de quatro volumes, com 1579 páginas, tem como principal motivo inspirador uma rua de Teresina, a atual rua Lisandro Nogueira, que, num passado não muito distante, era conhecida como Rua da Glória, e foi nesta via pública que o autor nasceu. Ou seja, é o grande (os quatro volumes) tornando o pequeno (uma simples rua) grande.

     Com base nisso, podemos dizer que essa obra é biográfica, pois o autor, fazendo o recorte de 1851 a 1950, discorre sobre a fundação de Teresina e a vinda de seu bisavô materno de Campo Maior para a nova capital do Piauí. É a biografia desta capital e da família do autor. Não completa, mas uma biografia, sim. Como Carlos Augusto narra também grande parte de sua vida como criança e adolescente, como estudante do Ensino Fundamental na hoje extinta Escola Modelo e como aluno do Ensino Médio no centenário Liceu Piauiense, destacando sua relação com mestres famosos como monsenhor Chaves e Edgar Tito, além de contar sua vida com o pai, a mãe, as tias e tios e primas e primos e avós, pode-se afirmar que é uma obra autobiográfica. Não é uma autobiografia completa, claro. Mas é uma autobiografia, sim.

     Ora, sendo biográfica e autobiográfica, é claro, então, que é também uma obra literária e histórica. É agradável ler os trechos em que são narrados ambientes sociais de Teresina que não existem mais, como neste: “No bar Carvalho eu gostava de sorvetes. Daqueles de abacaxi, sobretudo. Era o local mais chique da cidade, um espaçoso salão, na praça Rio Branco, na extremidade oposta em diagonal ao Café Avenida.” Ou ler frases em que se destaca o bom estilo literário do autor: “Senti-me o ‘sobrevivente’ de um mundo soterrado.”  “Restavam apenas espectros.”  “Vivia do Liceu para casa, com rápidas passagens pela casa de mãe Julinha, onde recebia meu quinhão de carinho daquela fonte inesgotável de amor que eram minha avó e meus tios.”

     Ainda sobre o caráter histórico da obra, é importante destacar os efeitos da Ditadura Vargas em Teresina e da Ação Integralista Brasileira. Esta foi um movimento fascista que teve grande repercussão no Brasil. Um dos tios do autor foi, inclusive, era um integralista militante.

     Outro aspecto muito relevante em Rua da Glória é de caráter psicológico. A relação do autor com o pai e a mãe. Com o genitor, a coisa é muito complicada, extremamente problemática. Carlos Augusto, com razão, não faz um bom retrato do pai. Descreve-o como solteiro (em suas pesquisas, o autor conversava muito com seus avós e tios-avós) e depois como casado, destacando suas ações positivas e as negativas, com grande predominância destas. Já com a mãe, a relação é a melhor possível. Ele a compreende sempre, inclusive ao perceber que ela tinha lá suas razões para não se separar do marido, embora este merecesse que ela o deixasse.

     O único senão que encontrei nessa grande obra é o excesso de erros de digitação e de revisão, principalmente no volume IV. Há até mesmo alguns trechos que me parecem truncados, incompreensíveis. Se se fizer uma nova edição de Rua da Glória, é preciso que se confronte a edição feita pela Edufpi e a original, feita pelo autor, para que os erros sejam eliminados.