UM MONUMENTO ÀS TRÊS RAÇAS EM CAMPO MAIOR
Por Elmar Carvalho Em: 14/12/2012, às 20H32
ELMAR CARVALHO
Comentando pequena nota publicada em meu blog, em que eu informava que meu livro Bernardo de Carvalho – O Fundador de Bitorocara se encontrava à venda na sede da ACALE – Academia Campomaiorense de Artes e Letras e na Drogaria São Judas Tadeu, e cujo produto da venda será doado para campanha comemorativa dos 300 anos de instalação da Freguesia de Santo Antônio do Surubim, o Cláudio Rogério, no espaço destinado a comentários, postou a seguinte observação: “É lamentável ver um evento de grandiosa valia cultural para nossos munícipes ser tão pouco prestigiado. Noto pelas fotos que nem nossos acadêmicos tiveram a fineza de aparecer. Vai entender... Parabéns Dr. Elmar Carvalho, que Deus continue iluminando sua mente para cada vez mais nos agraciar com seus textos e obras”.
No espaço apropriado, logo abaixo do comentário supra, cravei a seguinte resposta: “É, caro Cláudio Rogério, para você ver como são as coisas... Eu só não desisto porque sou um tanto teimoso e persistente, e realmente tenho vocação para as letras, e não estou nessa luta por simples diletantismo”. A seguir, anunciei que comentaria o lançamento em meu blog. Este registro de agora, neste Diário, se destina a cumprir essa finalidade. Não irei dissecar possíveis causas sociológicas e culturais, nem tampouco farei conjecturas outras para tentar explicar o pouco número de pessoas presentes ao evento.
Conforta-me o fato de que compareceram parentes e pessoas de minha amizade e devoção, e que gostam de assuntos históricos e culturais. Por outro lado, o genial escritor Machado de Assis, em hipérbole às avessas, dizia ter apenas meia dúzia de leitores, e o José Saramago, que era José Saramago, em vários registros de seus Cadernos de Lanzarote, se dava por satisfeito quando, em lançamento de livros ou palestras, contava com um público de algumas poucas dezenas de pessoas.
Tudo isto me deu força e ânimo. Portanto, não me deixei abater, e falei com a mesma vibração, firmeza e entusiasmo como se estivesse falando para um grande auditório. É lógico que lamentei a pouco assistência, pois iria falar de temas campomaiorenses importantes, como aspectos de sua história, de sua sociologia, de sua arquitetura, de sua bela paisagem, ao tempo em que lançaria, como de fato o fiz, duas sugestões, que considero relevantes e originais, ao menos em termos de Piauí, sobre as quais me reportarei neste breve registro.
Sem querer polemizar, coisa que não é de minha índole, disse que Bernardo de Carvalho e Aguiar, o senhor de Bitorocara, era um homem de bem, que chegou a angariar o respeito de várias tribos de índios; que vários grupos indígenas pediram para ficar sob sua orientação, vez que ele não adotava os métodos brutais da Casa da Torre; que chegara a libertar índios aprisionados por prepostos dos Dias D' Ávila.
Aduzi que padre Cláudio Melo, em suas pesquisas, inclusive em Lisboa, colhera a informação de que Bernardo, nos momentos mais duros das campanhas chegava ao ponto de marchar a pé, para que os feridos tivessem montaria, e que nas ocasiões em que o alimento escasseava, ele se contentava em comer “uma só mão cheia de farinha por dia, dando o mais a seus servidores que por vezes o viram sem alimento de forma alguma”.
Expliquei que julgar-se um homem pelos padrões de hoje, sem se levar em conta as leis, os costumes, as crenças, as circunstâncias e os fatos históricos da época em que essa pessoa viveu seria uma crassa injustiça e um anacronismo. Mas disse que, pelos padrões de qualquer época, Bernardo de Carvalho pode ser considerado um homem de valor e de bem, desde que não se proceda de forma maniqueísta e preconcebida ideologicamente.
Afirmei, e isto está no meu livro, que o historiador Cláudio Bastos, no verbete referente a Mandu Ladino, registra que o padre Cláudio Melo considerava que esse indígena seria filho natural de Bernardo de Carvalho, evidentemente tendo como mãe uma índia. Acrescentei que mantive vários contatos pessoais com esse eminente historiador e sacerdote, no período de 1995, ano em que ele me prefaciou a segunda edição de Cromos de Campo Maior, até final de 1997, quando fui o presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, em função de cujo cargo lhe solicitei, algumas vezes, textos para as nossas publicações, tanto das obras completas de Monsenhor Chaves, como da revista Cadernos de Teresina, que era publicada com regularidade, a cada quatro meses.
Num desses encontros, Pe. Cláudio Melo me revelou ter a convicção de que Mandu Ladino (provavelmente) seria filho de Bernardo. Encaminho o leitor ao meu livro, em que teço maiores considerações sobre essa hipótese. Esse historiador, em lisboa, pesquisou vários documentos sobre a vida do fundador de Bitorocara. Acho que essa convicção lhe veio da leitura desses velhos papéis.
Ele não tinha certeza absoluta quanto a essa filiação, claro; tinha convicção, baseada em suas ilações, extraídas do cotejo de diversos documentos. Chegou a me dizer, inclusive, que estava pensando em escrever um romance histórico, em que Mandu apareceria como filho de Bernardo de Carvalho. Lamentavelmente, sua morte, acontecida um pouco depois, não lhe deu a oportunidade de cometer essa grande façanha literária.
Após falar nesses dois grandes vultos históricos, disse que um dos principais líderes da revolta popular Balaiada, o Raimundo Gomes, alcunhado de Cara Preta, era filho de Campo Maior. Então, após repetir que “somos o que somos; somos o amálgama de três raças, e a nossa civilização é o cadinho do que elas construíram ao longo dos séculos”, como coloquei em epígrafe no meu livro, disse que o município de Campo Maior deveria erguer, na Praça Bona Primo, um monumento às três raças.
A raça branca seria representada pelo fundador de Bitorocara (Bernardo de Carvalho), a indígena, pelo seu grande líder Mandu Ladino, e a negra, por Raimundo Gomes, o Cara Preta, porquanto são figuras eminentes da História do Piauí. O monumento, além de representação escultórica, deveria ter lápides com epígrafes de Monsenhor Chaves e Pe. Cláudio Melo, nossos grandes historiadores, sobre esses três grandes vultos históricos, ilustres representantes das três raças que construíram a nossa civilização, da qual fazemos parte, quer queiramos ou não. Talvez o monumento às três raças viesse a servir de paradigma, em termos de homenagem, à miscigenação piauiense e brasileira.