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[Uma recomendação de leitura - por Rosidelma Fraga]

 
 
Não sou nenhuma especialista em Literatura Infanto-Juvenil, nem pretendo escrever um texto científico para ser apresentado em Congressos. Por acaso, ontem entrei numa Livraria da Avenida Goiás e deparei-me com A caligrafia de dona Sofia. Como sempre faço, gosto de sentir a obra no olhar de fora para dentro e vice-versa, procurando pelo que tem de excelente na orelha, na resenha, no prefácio, entre outros paratextos. Eu pesquiso ilustração e poesia na obra de Manoel de Barros e chamou-me atenção especial o fato de André Neves ser autor do texto e também o ilustrador da obra. Geralmente, o escritor não é o ilustrador. Neves é um dos escritores que se dedicou à ilustração e paulatinamente começou a escrever para crianças e jovens.
Comprei o único exemplar que constava na estante. Li a obra no trajeto do ônibus para minha casa como fazia Carlos Drummond de Andrade. Depois reli o texto minuciosamente com meu filho de oito anos que, influenciado por mim, acaba escolhendo um ou outro livro para sua leitura mesmo que lentamente. Ele preferiu Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado. Não sei o porquê, mas ele sempre procura por Ana Maria Machado e Ruth Rocha. E eu, como sempre, sei respeitar as escolhas de um leitor, começando pelo que saiu de minhas entranhas. Quando ele me diz que não quer ler poesia e prefere histórias, acho isso fantástico porque já me deparei com situações em que adultos não sabiam diferenciar um gênero literário de outro.
A caligrafia de dona Sofia é um dos livros que um leitor de poesia não pode deixar de ler, indiferente da faixa etária. Trata-se de uma obra interdisciplinar, intertextual e emocionante, tanto do ponto de vista estético da ilustração, como do diálogo com a tradição da poesia brasileira, em especial, da poesia moderna. O texto de André Neves é capaz de arrebatar o leitor no que há de melhor na escolha das poesias selecionadas pela personagem Sofia, responsável pelo envio de cartas a todos os moradores do bairro, incluindo o carteiro Ananias que ao final se torna um poeta. Só para aguçar a curiosidade do leitor, cito alguns poetas pendurados na parede da casinha fabulosa de dona Sofia e que são convertidos em cartão e cartas sem respostas: João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Murilo Mendes, Cecília Meireles, Bernardo Guimarães e outros grandes poetas da Língua Portuguesa.
Ler este pequeno-grande livro é ficar convencido de que a leitura é capaz de transportar o leitor para dois universos de fantasia e gozo que são a escrita e a leitura de poesia. Em termos de fruição, o texto passa pela tessitura de poiesis, aisthesis e katharsis. Li, reli, fiquei enamorada pelo texto e depois realizei uma rápida pesquisa e descobri um dos artigos da Professora Doutora Maria Zaira Turchi (2008), especialista na área, a qual assevera que a obra de André Neves se caracteriza por esta multiplicidade de linguagens e gêneros textuais. A autora assim resume a análise do texto:
 
 
[...] Os poemas para adultos, alguns de poetas clássicos, passam a ocupar um novo espaço do livro infantil, e passam a falar para outro interlocutor, nas pontes criadas pela narrativa de Dona Sofia, pelo universo infantil de quem aprende a escrever, a caligrafia. Toda essa multiplicidade de linguagens presente na obra e o diálogo que estabelece com o leitor, desestabiliza a tentativa de conceituar a literatura infantil. (TURCHI, 2008, p.5).
 
 
A caligrafia de dona Sofia mistura narrativa, poesia, glossário, receitas, cartas e acredito que o mais fantástico para o leitor é se deparar com a desconstrução do espaço da folha. A poesia é levada como uma amostragem pictórica nas paredes da casa. O leitor parece entrar numa exposição paradisíaca, como se entrasse para um recanto sagrado e visualizasse a poesia espalhada nos quadros, seria uma espécie de retrato itabirano. A caligrafia de dona Sofia casa bem com a expressão de Simónides de Céos: Muta poesis, eloquens pictura. Bem, este não é um trabalho acadêmico como afirmei nas primeiras linhas. É um simples comentário e uma recomendação de leitura. Quem não leu, vale a pena ler antes de morrer. A gente sente que está voando para o céu da poesia. Fica a minha sugestão para os pais e avós lerem com seus filhos e netos, pois deste livro o leitor ganha com o que há de melhor na poesia brasileira e, sobretudo descortina a curiosidade para descobrir a leitura de algum dos poetas aclamados por André Neves. Bem que eu poderia digitalizar as imagens e os poemas pintados, mas não é justo com o autor e nem com o verdadeiro leitor.  O livro deve ser tocado e sentido na palma das mãos por tudo que há de sagrado na folha. Acredito que tocar cada página de A caligrafia de dona Sofia é sentir o que Octavio Paz (1986) chamou de “consagração do instante”, assim como a música Jesus, bleibet, meine Freude, de Johann Sebastian Bach (1685-1750) que ouvi quando redigia esta recomendação de leitura.
 
 
Goiânia, 07 de dezembro, de 2011.