ELMAR CARVALHO 

No domingo, dia 6, ao retornarmos de Parnaíba, eu e Fátima resolvemos almoçar em Piracuruca. No restaurante estava o irmão maçônico Francisco Airton de Carvalho. Conversamos rapidamente, pois ele já estava de saída. Recordou-se ele de que tomei posse como juiz de Direito em Piracuruca, e que fora ele, na qualidade de escrivão, quem lavrara o meu termo de posse. Lembrei-lhe que foi nessa curta temporada piracuruquense, de apenas vinte dias, que escrevi meu poema Sete Cidades – roteiro de um passeio poético e sentimental. O grande artista plástico João de Deus Netto fez um belo cartaz com a primeira parte do poema, que coloquei em molduras e doei ao Fórum e à Prefeitura. Fiz, na sede da comarca, pequena e singela solenidade em que lancei o poema e o cartaz. Estavam presentes os servidores da Justiça, o intelectual Valdemar Meneses e o padre Oney Braga. No encontro do restaurante, aproveitei para dizer ao irmão Chico Airton que, sempre que passo por Piracuruca, recordo o general João Evangelista Mendes da Rocha, parente próximo do desembargador Manfredi Mendes de Cerqueira, meu colega da APL, e do advogado e escritor Paulo de Tarso Mendes de Souza. Acrescentei-lhe que, do meu conhecimento, o general nunca recebeu significativa homenagem de sua terra natal, como o seu nome ser dado a importante logradouro ou prédio público. Pedi-lhe que, através da maçonaria, envidasse esforços no sentido de que esse esquecimento fosse reparado. Chico Airton prometeu-me tratar desse assunto em sua oficina maçônica.

 

Quando tomei efetiva posse de meu cargo (posto que já fora empossado perante o Tribunal de Justiça em 19.12.1997), na Comarca de Piracuruca, no começo de janeiro de 1998, como juiz auxiliar, o magistrado titular Dioclécio Sousa da Silva, também pertencente à sublime Instituição, convidou-me para ficar hospedado em sua residência, pelo que lhe sou muito grato por esta prova de consideração. A casa ficava perto da velha e inativa estação ferroviária. Numa manhã fria e nevoenta, fui conhecer esse prédio. Ficava perto de uma leve curva da ferrovia. Ao longe da curva, eu via a estrada de ferro se perder na neblina, como em diluída, vaga e esbatida pintura impressionista. A estação e os pés de oitis quase ficavam esfumaçados, quase invisíveis, no meio da magia da densa bruma. Os galos, com o seu canto saudoso, vibrante e metálico, saudavam o amanhecer. Senti falta, apenas, dos repiques do sino da estação, a assinalar a chegada ou partida de velha e fuliginosa maria fumaça, também a badalar o seu sino e a emitir o seu melodioso apito a vapor. Já de há muito as locomotivas não mais passavam sobre aqueles carcomidos dormentes e enferrujados trilhos, a arrastar penosamente os vários vagões, que mais pareciam um bando de pequenas e enfileiradas casas, cheias de gente.

 

Desde minha juventude, mais precisamente a partir de 1975, eu costumava passar por Piracuruca, indo para Parnaíba, ou desta cidade voltando, a bordo de um ônibus azul marinho da empresa Marimbá. Parávamos em uma das lanchonetes do centro da cidade, que nos ostentava suas várias praças, solares, sobrados e palacetes. Muitos desses casarões e sobrados, por um quase milagre da vontade e esforço de seus moradores e donos, ainda estão de pé, alguns relativamente bem conservados. Creio que não houve nenhuma participação e incentivo do poder público para que isso acontecesse. Suponho que sequer tenha sido feito algum tombamento. Nessas passagens, eu via as pedras da saída para Parnaíba, que formam uma espécie de pórtico triunfal, a lembrar as formações rochosas de Sete Cidades, que por essa época conheci. Desde então alimentei o desejo de escrever um épico moderno, que falasse nos enigmas, belezas e mistérios das pétreas cidades encantadas. Sempre adiava a empreitada, porque não encontrava a forma que me satisfizesse como poeta, e porque o que esboçava em minha mente julgava indigno da grandeza daquelas caprichosas e monumentais formas esculpidas pelo vento, pela chuva e pelo tempo.

 

Todavia, durante os vintes dias que passei como juiz em Piracuruca, me retornou, com muita força, o desejo de escrever o poema. Então, como um insight, a sua forma e conteúdo me surgiram. Mandei-o, em primeira mão, ao ilustre general João Evangelista Mendes da Rocha, meu conhecido, há algum tempo, quando ele vinha visitar o Piauí e o seu torrão natal. Acompanhava o poema uma carta evocativa, vertida em prosa poética, que, com uma pequena adaptação, me serviu para fazer o prefácio de um dos livros do general, honra que ele gentilmente me concedeu. Era ele um homem culto, refinado, mas de um refinamento natural, sem nenhuma ponta de afetação. Era um perfeito cavalheiro. Dava-me a impressão de que tinha todo cuidado em não ferir e nem diminuir ninguém. Não tinha nenhum ranço de militarismo nem de disciplina de caserna. Escrevia artigos e crônicas sobre cultura, literatura, história e sobre as mazelas sociais do Brasil, que publicava em periódicos ligados ao Exército e no jornal O Dia, de Teresina. Coligiu esses textos e os publicou nos livros E o Sono Continua e A Serviço do Brasil. Editou ainda a obra Senha e Contra-Senha. Conquanto não fosse propriamente um crítico literário, escreveu alguns artigos sobre a minha produção poética, que considero muito pertinentes, argutos e apropriados, tanto que recolhi dois deles nos meus livros Sete Cidades – roteiro de um passeio poético e sentimental e Rosa dos Ventos Gerais (2ª edição). Heroi da luta contra o nazifascismo, chegou a comandar, na Itália, uma das companhias da Força Expedicionária Brasileira – FEF. Foi condecorado com a medalha da Cruz de Combate.

 

Foi exatamente por causa desses serviços, de militar e de escritor, e por causa de sua bela e marcante personalidade, que pedi ao prefeito de Campo Maior, Antônio Lustosa, lhe concedesse a Medalha do Mérito do Jenipapo, a maior honraria do poder executivo local. Fiz a justificativa para a concessão, e a medalha lhe foi outorgada, em solenidade em que discursei, exaltando os altos e indiscutíveis méritos desse notável homem público, humilde e discreto em sua honrada aposentadoria. Peço aqui e agora que Piracuruca, sua amada terra natal, coloque o nome digno do general João Evangelista Mendes da Rocha num dos logradouros desse belo e histórico torrão. Tenho certeza que será uma justa e merecida homenagem.