Octaviano Mello

 
Anísio Mello, no lápis de Palheta, 1987
Há nove anos, em junho, o saudoso Anísio Mello ocupou a tribuna da Quarta Literária, iniciativa consagrada da Livraria Valer. Conversou com os ouvintes sobre seu pai, Octaviano Mello. Dias depois, Narciso Lobo (doutor em Ciências da Comunicação e professor da Universidade Federal do Amazonas, membro da Academia Amazonense de Letras, morto em 2009) escreveu no Diário do Amazonas (10 jun. 1992) o texto aqui postado.
Um humanista em Tefé


Narciso Lobo

Por vezes, o silêncio que se faz sobre algumas pessoas é tão grande, que as gerações seguintes sequer lembram que elas existiram. Essa convicção ficou reverberando em mim quando assisti, semana passada, a uma palestra despretensiosa do poeta e pintor Anísio Mello, como parte das Quartas Culturais, na Livraria Valer, sobre a vida e obra de Octaviano Mello.
Nascido em Barras, no Piauí, aos dez anos, em 1899, Octaviano chegou a Manaus, com sua família, e aqui, como tantos outros amazonenses por adoção, ao longo de seus curtos 57 anos de existência, construiu uma trajetória exemplar, felizmente resgatada pelo seu filho Anísio, para um público composto, em sua maioria, de jovens, presentes ao evento.
A VIDA desse personagem se cruza com diversos momentos da constituição da própria identidade amazonense: frequentou, a partir de 1907, o Ginásio Amazonense Pedro II e, a seguir, o curso de Odontologia da Universidade Livre de Manáos, o primeira instituição desse porte criada no Brasil, em 1909, fato que muitos historiadores brasileiros da educação desconhecem e, o que é pior, muitos amazonenses também.
Octaviano Mello, desenho do filho
Anísio Mello
Vale aqui fazer dois destaques: primeiro, para o Ginásio Amazonense Pedro II, que, ao lado da antiga Escola Normal, no princípio do século, concentrou os mais importantes intelectuais e produtores de conhecimentos, por um lado, e formou as gerações que se transformaram nas elites dirigentes do Estado; e, o segundo, para a Universidade Livre de Manáos, nascida no momento em que a extração da borracha trazia riquezas para o Amazonas e para o Brasil.
Mesmo sendo derrotado, em 1926, esse projeto ambicioso de criação da primeira Universidade brasileira, ficaram os frutos, ou seja, gerações de dentistas, agrônomos, farmacêuticos, além de ter continuado a formação de advogados, dado que a Faculdade de Direito resistiu à decadência da borracha, e pode, assim, estabelecer, já na década de 1960, o elo entre a Universidade Livre de Manáos e a atual Universidade do Amazonas.

Mas Octaviano, mesmo tendo-se engajado, como odontólogo, na pesquisa científica, participando de congressos nacionais e internacionais, tornou-se também advogado e, na condição de juiz, em diversas localidades do interior do Amazonas, deu sequência à sua inquietação, escrevendo mais de uma dezena de livros, como Topônimos Amazonenses, hoje um clássico, além de livros que permanecem inéditos, como Nheengatu sem mestre.
Também, pela extrema atualidade, vale destacar a experiência pioneira, em Tefé, que emocionou a todos que assistiram à palestra de Anísio: na condição de juiz e prefeito temporário, em 1941, criou o presídio aberto, com colônia agrícola, com a finalidade de ressocializar os presos e devolvê-los à vida comunitária.
Narciso Lobo, em sessão da Academia
Amazonense de Letras, 2007
Essa experiência pioneira de humanização dos presos, que só agora começa a ser aceita, foi feita com sucesso, mas, infelizmente, com sua morte precoce, foi abandonado, e os presídios, em Tefé como no Amazonas e no Brasil, voltaram a ser as infernais escolas de aperfeiçoamento do crime e da violência, hoje tão bem mostradas pela mídia.
Como se vê, resgatar a boa história pode ser remédio precioso para a cura de males do próprio presente. Infelizmente, na maioria das vezes, não nos damos conta disso.