[Whashington Ramos]

     É muito emocionante ver algumas tentativas de organização de sociedades fraternas em que homens e mulheres não explorem uns aos outros, em que ninguém seja imensamente rico e ninguém seja lascado da vida. É o famoso sonho socialista. Não deu certo em lugar nenhum do mundo. Dará certo algum dia? Muito provavelmente, não. Enquanto existirem egoísmo e elitização humana, ele não dará certo.

   Sete Povos das Missões, na região limítrofe entre o Rio Grande do Sul, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, foi, juntamente com outras comunidades idênticas, uma dessas tentativas e ainda hoje nos emociona. Basílio da Gama compôs um belo poema sobre essa experiência. Mas não foi a única. Houve outras. O crime em Casas Viejas, povoado espanhol, também nos emociona. Lá se tentou uma experiência anarquista com a correta distribuição da renda produzida no lugar. Não foi para frente. Sufocaram-na barbaramente.

   Esse fato histórico, assim como Sete Povos das Missões, também produziu um texto literário. Trata-se da novela O Intervalo, de Ferreira de Castro, em que há um trecho intitulado Casas Viejas, que me impactou profundamente. Li-o na antologia Contistas Portugueses Modernos, organizada por João Alves das Neves. Deixou-me um entalo na garganta durante algumas horas. Ainda sinto um arrepio quando me lembro dele. É muito triste ver uma população ser dizimada simplesmente porque quer ter um pouco mais de direito sobre o fruto de seu trabalho.

   Assim que terminei a leitura desse texto, enviei, pelo Whatsapp, mensagens para vários amigos meus que gostam de ler, dizendo-lhes o quanto eu estava emocionado e que precisava falar com alguém, desabafar sobre o tanto que essa narrativa foi fundo em meu sentimento de justiça social. Lembrei-me da Colônia Cecília, dos Sete Povos das Missões, do Quilombo dos Palmares e de várias outras comunidades que, equivocadamente ou não, tentaram criar uma sociedade sem exploradores nem explorados.

   O autor, Ferreira de Castro, é um escritor português que esteve no Brasil durante um bom tempo e escreveu, dentre muitos outros textos, o famoso romance A Selva. Sua linguagem, em alguns trechos de Casas Viejas, é altamente criativa. Transcrevo a seguir estas frases conotativas: “Reboa até nós o trrac-trrac-trrac das metralhadoras. Os camponeses olham-se, emudecidos. As feras metálicas continuam a uivar na negrura de lá de fora. Às vezes, parece que rasgam forte tecido.”

   Por esse pequeno excerto transcrito, percebe-se que a linguagem de Ferreira de Castro guarda forte semelhança com a língua portuguesa usada no Brasil literariamente. Talvez seja  consequência dos oito anos que ele passou neste país.

   É, por fim, a conjunção destes dois fatores que me levaram a admirar essa narrativa de Ferreira de Castro: a linguagem criativa e o sentimento de justiça social que ela desperta nos leitores. Neste mundo com seus sete bilhões de habitantes, é meio difícil não pensar em sociedades mais fraternas, mais justas, mais humanas e, portanto, mais sustentáveis. Casas Viejas nos leva a cogitar isso.