CUNHA E SILVA FILHO
 
        Saio de casa  a pé. Sempre a pé quando  ando por lugares  mais perto. Mal  ponho os pés  na  calçada do meu prédio, já sinto a trepidação  da vida na rua e me lembro  dos conceitos  sobre o perigo  da rua emitidos  pelos escritores João Antônio (1937-1996) e Guimarães Rosa (1908-1967), e pelo antropólogo Roberto DaMatta.  Buzinas de carros,  com aquele barulho que parece não ter fim a  não ser por segundos.
      Tudo é pressa  como se todo mundo estivesse com hora marcada pra entrar no Céu e agradecer a Deus  por ter conseguido  um lugar  de descanso  eterno e a salvo  dos perigos  do Mal. Eu, na rua,  me lembro de que não fizera as minhas  preces  diárias, primeiro, pra minha Protetora, a Virgem de Fátima, da qual me tornei, com o tempo,  um fiel devoto, segundo, porque  tampouco  lera, persignado, a prece-exorcismo  escrita pelo Papa Leão XII. É uma Oração Breve que é tiro e queda contra os espíritos  malignos que andam atazanando  a vida dos seres humanos cá na Terra. Essa oração de Leão XIII é ainda acrescida de uma jaculatória ( não gosto desse vocábulo porque  ele me leva a associações pecaminosas e eu, ademais,  tenho  inclinações barrocas no que tange ao binômio matéria-espirito.     
    Deixarei  as orações   para   regressar à minha casa. Por ora,  estou caminhando em direção  à Praça Sáenz Peña (ou popularmente Saens Peña). Chego à altura da Rua das Flores. Muita gente  vindo e indo nos dois caminhos que essa rua de pedestre tem: uma que dá pra  Praça, outra, que dá para a Rua da bela  Igreja de Santo Afonso. Tem uma placa  nessa Rua das Flores que proíbe  bicicletas  de  transitarem  por ela nas duas direções. Entretanto,  ninguém respeita a placa   da Prefeitura e ninguém  entre os pedestres  tampouco  se queixa dessa infração dos ciclistas, em geral daqueles que carregam objetos  de entrega.  Isso é um sintoma  flagrante do que somos  no  país.
     Ao atravessar a calçada   para a Praça  propriamente dita,  ouço alguém reclamar da falta de  educação do povo  brasileiro. Esse alguém era um senhor ainda forte que,  em voz baixa, pra mim,  soltou esse desabafo: “O nosso povo não tem educação  nenhuma,  nem a de trânsito. A salvação de um país seria só possível  com   o cuidado  do governo federal  com a Educação. E finalizou, atravessando em sentido contrário ao meu:   “A minha  irmã tem razão  quando desabafa  dizendo:  “É uma gentalha.” O senhor despediu-se com um   tchau e se perdeu  na  azáfama de  gente perto,   caminhado na duas direções da calçada  em frente    de um templo do Bispo Macedo.
     Saio da Praça e sigo em direção ao Shopping da Tijuca. Subo de elevador apinhado  a um  dos andares, aquele que tem uma loja de roupas  pra gente mais simples. É gente  por todo os lados e de todas as  idades.  Mas, vejo que a quantidades de idosos  é muito elevada. Olho pra um restaurante  fino  e lá dentro vejo  muitas senhoras fazendo  a refeição do jantar. Hoje em dia,  ninguém  quer mais fazer comida em casa. Tudo é feito na rua   e com comida  a  quilo  a preço de ouro.  Entretanto,  me pergunto: Como tem tanta gente  com  condições de viver   bem  e a salvo das desigualdades sociais? Uma amiga me falou  há dias que algumas daquelas senhoras de idade  têm  polpudas pensões, algumas têm até duas ou três pensões do governo. Meu Deus! É verdade? Sim, têm e eu conheço várias  assim.
    Um shopping é pra mim,  um forma de pensar  o país.  Mostra riqueza e ostentação e camufla  a pobreza. Produtos  caríssimos como aquele da vitrina  elegante, uma     bolsa de senhora  que custa  R$ 3. 590,00. E olhe que não é o mais caro não. Mas, alguém tem tanto dinheiro assim  neste país que atualmente  ainda possuí  uns treze milhões de desempregados?! Olho pra um grupo de pessoas  jovens com  roupas humildes  se divertindo no shopping e rindo a bandeiras  despregadas. E eu novamente me pergunto: Será que elas  pensam  nas desigualdades do Brasil? Ou são tão distantes  da realidade dura que  não se dão conta  da sua própria miséria?
       Entro na Saraiva e lá vejo   sentados em cadeiras,   alguns  leitores   de idades diferentes e distantes. Cada um está  com o seu livro apanhado na prateleiras   e, ao lado  de cada  leitor, não falta  o indefectível símbolo    fetichista  da pós-modernidade da   comunicação móvel,   regalo  de usuários  de todos os níveis sociais ou da visão  ameaçadora  dos  ladrões   à espreita do melhor instante de  distração para tomá-los à força de seus donos: o celular.
      Finalmente,  desço mais um andar, este no subsolo, que é vasto como uma avenida  ladeada de  lojas  com aluguel que  custa  os olhos da cara. Há uma gente alegre vendo   uma exibição que não soube bem o que fosse, mas que   chamava a  atenção de todo o mundo ali. Chamava, sim.  Senti  no meu interior  quão, muita vezes,  somos imbecilizados com a exibição de tanta   baboseira  ruidosa   e   de visual duvidoso  inventados  pra  ganhar dinheiro  de pascácios. Ora, leitor   mal avisado, a humanidade  hodierna  é amorfa,   hedonista,   pantagruélica.
     Saio do Shopping.  Olho pros seguranças postados  à entrada   que,   dos seus cantos estratégicos,   não perdem um instante (também são filhos de Deus!)  em  que  passarelam  belas mulheres,  umas entrando,  outras saindo. Eu também  não deixei de apreciar a beleza das  mulheres  cariocas, ou melhor, das  brasileiras em geral.   Volto   pra casa.  Desta vez  tomando um táxi, pois a idade já vem  dando seus sinais sem dó nem  piedade.