BALA PERDIDA


                                                            Miguel Carqueija


     Fui acordado de um sonho com Gisele, demorado e romântico. Ausências de astronauta geram muito tais sonhos. O acordar, porém, foi abrupto, brutal: a campainha de alarma, que se fazia ouvir por toda a Criptonita III: BLÉM BLÉM BLÉM BLÉM BLÉM BLÉM BLÉM BLÉM.  
     Pulei do beliche e procurei as roupas na maior pressa, enquanto a sirena prosseguia arrebentando os meus tímpanos. Saí ao corredor, colidindo com vários companheiros, enquanto o sistema de comunicação interna conclamava:  Alerta total! Vazamento de ar! Estamos perdendo oxigênio! Todos à biblioteca! Tragam as soldas! Tragam todo o equipamento!
     Agarrei-me nos corrimões e fui esvoaçando na baixa gravidade, passei por várias comportas e cheguei afinal, com os outros, à biblioteca, onde todo um esforço já se fazia para vedar o rombo. Inicialmente, alguns colegas já haviam despejado a areia coagulante, própria para esses casos, mas a mesma estava a ser rapidamente chupada. Ronnie comandou o robô B-16 para o serviço de solda, enquanto outros robôs traziam chapas de aço maleável. Hermes colocou-me nas mãos um detector Goldman, e eu fiquei então verificando as paredes, à procura de vazamentos menores. Felizmente, não encontrei nenhum.
     Trinta e cinco minutos depois, encerramos o trabalho. Dessa havíamos escapado. As moças davam suspiros de alívio enquanto Ronnie, nosso capitão, observava: - É, essa vizinhança está muito pesada... antigamente não era assim...
     Apressamo-nos a nos afastar daquela região do cinturão dos asteróides, a faixa marciana, onde frequentemente as quadrilhas de traficantes travam batalhas em disputa pela supremacia. Decididamente, não se tem mais segurança em lugar nenhum!