Elmar Carvalho

 
Meu nome é Jonas. Mas não sou nenhum profeta. Muito menos estive, por três dias e por três noites, no ventre de algum peixe. Nem mesmo em prosaico submarino. Contudo, não sou cético. Entretanto, não saberia dizer o tamanho de minha fé. Não sei se ela seria do tamanho de um grão de mostarda, ou se ainda menor, como uma subpartícula quântica. Às vezes, tenho a impressão de ter uma fé robusta, inabalável; outras vezes, embora em menor escala, fico quase a vacilar entre a dúvida e a crença. Nunca vi almas, nem abantesmas, nem discos-voadores. Para mim, realidade é realidade, mito é mito, fantasia é fantasia. Portanto, posso dizer, como no ditado popular, que nunca vi rastro de alma nem couro de lobisomem. Apesar de tudo isso, acredito que existem mistérios, que só são mostrados como sinais a uns poucos, que devem dar o seu testemunho. É exatamente isso que pretendo fazer. Devo dizer que, no meu entendimento, não existe mérito nem demérito em ter fé; simplesmente a temos ou não a temos, independentemente de nossa vontade. No entanto, acho que a fé é um consolo, e quem a possui sofre menos, por isso mesmo. Em muitas searas, acho mais prudente não acreditar nem desacreditar. Até os físicos quânticos parecem duvidar de suas próprias certezas ou incertezas. Por vezes, tudo parece ser incertas certezas ou relativas in-certezas.
 
Acredito que a vida vai continuar, de alguma forma. Não sei se imediatamente após a morte ou se depois, com a anunciada ressurreição do dia do Juízo Final. Não sei se há outras dimensões, se há universos paralelos. Numa dimensão infinita e eterna, tudo é provável ou possível. Sei que Cristo disse que na casa do Pai há muitas moradas. Como serão essas moradas? Variam em conforto, em bem-estar, em bem-aventurança, conforme o merecimento de seu ocupante? Tenho dúvidas, muitas dúvidas, mas apesar de tudo creio. Ou pelo menos creio que acredito; ou quero acreditar. Me apego a isso, com todas as minhas forças. Um dia saberemos, ou nunca saberemos. Tenho fé em que um dia o grande mistério da vida além da vida ou da vida após a morte nos será desvendado. Como disse, não sou nenhum Tomé, julgo que existem mistérios, além desta realidade prosaica, vulgar, cotidiana. Se víssemos os sinais e não acreditássemos, a nossa culpa seria imensa. Talvez por isso os mistérios sejam mostrados a uns poucos, de forma mitigada e em raros momentos, como sutis exceções. Talvez por isso Cristo tenha dito que bem-aventurados são os que não viram os seus prodígios e sinais, mas que acreditaram. Como disse, quero dar o meu testemunho. Relutei muito em fazê-lo, pois tinha medo de cair no ridículo e no deboche dos maldizentes. Todavia, senti-me no dever de relatar o que vi. Isso passo a fazer agora, já não me importa o escárnio a que possa ser submetido.
 
Meses atrás, estava eu num dos shoppings da cidade, perto do playground, num dia de domingo, enquanto minha mulher fazia compras no supermercado. Era cedo e quase não havia ninguém, já que as demais lojas ficam fechadas nesse dia. De repente, de meu banco, vi uma linda mulher à distância. Enquanto ela se aproximava lentamente, fiquei a contemplar sua beleza, suas curvas, sua epiderme clara, delicada, seus louros e encaracolados cabelos. Entretanto, ela não transmitia sensualidade nem energia vital, tal como a conhecemos. Aparentava não fazer esforço em seu lento caminhar. Dir-se-ia não notar a realidade circundante, da qual, ao que tudo indicava, não fazia parte. Parecia não ver, ou pelo menos não ver as mesmas coisas que eu via, como se não fosse deste mundo. Aparentemente não sentia o impacto da gravidade, quase como se estivesse a levitar, conquanto seus pés tocassem o chão, ou quase tocassem, não tenho certeza quanto a isso.
 
Quando passou por mim, foi como se não existisse ninguém. Caminhou em direção ao parque, que estava fechado e sem ninguém. Seguiu em direção ao Portal do Paraíso, cujo portão de madeira, apesar do nome, era bastante concreto e maciço, e estava hermeticamente fechado. Voltei a olhar no sentido contrário ao que ela tomou. Mas, de repente, saído do nada, sem nenhuma razão de ser, me veio um pensamento bobo, fora de propósito: “E se ela atravessasse o Portal, como se fosse um fantasma, uma mulher do outro mundo?...” Volvi minha cabeça para trás, no exato instante em que ela atravessava o pesado portão, como se ele sequer existisse, como se ela estivesse a entrar numa simples neblina ou cortina de fumaça. Poderia dizer que vi uma mulher do outro mundo, metaforicamente, pela sua beleza inefável, angélica, mas digo que vi, de fato, uma mulher do outro mundo. Não tenho explicações, não busquei e nem quero explicações. Quem quiser que as procure, para seu próprio uso e consumo. Apenas julguei do meu dever dar este testemunho. Como advertência, faço minhas as palavras de Jesus: “Felizes são os que não veem, contudo, creem.”