Cunha e Silva Filho
Tendo iniciado seu mandato de Presidente da Turquia em 2014, Erdogan, diante da ameaça de um golpe político-militar, segundo ele, arquitetado fora das fronteiras desse belo país por um adversário de seu governo, um respeitado teólogo e intelectual, de nome Fethullah Gulen, ora residindo nos Estados Unidos está exigindo que o governo americano determine a extradição do seu opositor. Ora, conhecendo o valor intelectual e moral de Gulen, cabe aos Estados Unidos não permitir que o pensador sírio seja extraditado para a Turquia numa hora em que o governo de Erdogan realiza uma agressiva escalada de perseguição contra todos que se lhe pareceram inimigos políticos e desejavam o seu banimento do poder na Turquia.
Segundo as informações transmitidas pela imprensa mundial, quase se pode prever o que poderia acontecer com Gulen caso ele fosse repatriado. Por conseguinte, o governo americano não poderá transigir de nenhuma maneira sobre essa questão e acredito que Barack Obama não o faça, sobretudo sabedor de que os expurgos na Turquia já atingiram número considerável de presos tanto militares de alta patente políticos, juristas, intelectuais, quanto jornalistas que lhe fazem oposição.
O clima de caça às bruxas está se tornando cada vez mais violento, contando com mortes e, pelo andar da carruagem, o número de países que passaram a governar seu povo com mão de ferro está crescendo.
A Turquia agora, junto da violência síria, aprofunda a crise político-institucional nesse pais que, geograficamente, reúne parte da Europa e parte da Ásia, ou seja, passamos a ter menos democracia, menos liberdade nas duas nações vizinhas.
Ao estrangular o golpe de opositores ao seu governo, Orgedon, por sua vez, foi mais rápido e logo desarticulou os adversários, porém dando logo sinal de que agirá agora de forma discricionária, rompendo com alguns traços democráticos que o começo de seu mandato parecia indicar.
Algumas considerações são dignas de reflexão no mapa político mundial. Nitidamente percebo que, em nossa época, as estruturas políticas dos países, seja no Oriente, seja no Ocidente, conquanto montadas e sob princípios democráticos,estão se mostrando porosas quanto aos caminhos de governança política na mediada em que, por uma série de razões econômico-sociais, permitem que democracias sejam administradas com um maior peso de autoritarismo claro ou implícito.
Quer dizer, o Estado democrático, por si só, diante das dificuldades múltiplas da sociedade, tende a reger-se por decisões que entram em choque com a real liberdade dos indivíduos, provocando neste insatisfações dirigidas aos diversos setores públicos e privados.
Quando esse adensamento imposto de cima para baixo cresce, a liberdade do cidadão se apequena, e o cidadão se sente tolhido dentro de um contexto solidamente alicerçado e protegido por inúmeros mecanismos de segurança e constrições de ações mais livres do indivíduo.
O indivíduo passa a sentir-se impotente diante da engrenagem da máquina do Estado que age realmente como se fora uma “máquina” mesmo com toda a sua complexidade interna, seu funcionamento previamente programado, na qual não há espaço para sentimentos de indignação ou possibilidade de alguém ´ pensar em lutar sozinho contra o “vasto mundo” drummondiano. Ou, por outra, cria-se no interior do indivíduo uma sensação de sufocação diante de situações absurdas determinadas por essa objetividade fria e cruel do Leviatã – cruel, sim - este é o termo - de um mecanismo vazio de qualquer possibilidade de transigência de natureza humana.O homem contemporâneo é, deste modo, esmagado por essa engrenagem somente entendida se vista pela sua absurdidade na esfera humana.
Na Turquia, mais ainda na Síria, na Venezuela e em outras regiões do Planeta não é difícil tirar ilações dessa monta provocadas os golpes e contra-golpes de governos ainda não definitivamente consolidados e amadurecidos em suas instituições político-jurídicas. .
Por outro lado, o que me causa espécie é o fato de que os organismos internacionais que foram idealizados para defender os países sujeitos a radicais mudanças na contramão dos princípios democráticos me dão quase a certeza de que cruzaram os braços diante das atrocidades genocidas, que presenciamos à distância, cometidas na Síria e em outras partes de povos convivendo com o martírio e a truculência de tiranos.
Ontem mesmo, um comentarista de assuntos internacionais estava chamando a atenção para esse estado de inércia, de falta de vontade política no campo das relações diplomáticas em que se encontram os Estados Unidos e Rússia, países-chave que bem poderiam minimizar a agressividade da guerra civil síria. Vias para a solução desse conflito devastador não podem ser deixadas de lado.
Seria até uma forma de cumplicidade diante da hediondez dos crimes perpetrados por um governo tirano e perverso.No mundo contemporâneo não deveria haver mais lugar para os horrores das guerras entre nações. Isso significaria a capitulação de países bem estruturados politicamente e com liderança diante da aceitação passiva da covardia das guerras.
Se entendemos que a globalização já é uma fenômeno reconhecido e incontestável na história contemporânea e nos vários aspectos em que podemos considerá-la, nações fortes, através de órgãos responsáveis e efetivos, já deveriam limitar ao máximo as conflagrações bélicas que ainda assolam alguns países. Não é possível tanta indiferença, em particular destas duas potências referidas atrás.
Se o desejassem primeiro por meios diplomáticos e não conseguissem colimar seus objetivos de paz, por um acordo de um cessar-fogo prolongado entre as partes principais envolvidas, i.e., os rebeldes e as forças do ditador Bashar Al-Assad, haveria,em segundo lugar, um recurso extremo - a tomada de uma decisão mais drástica de sufocar militarmente as tropas do ditador sírio, destituindo-o definitivamente do poder autocrático a fim de reconstruir o pais regido por um estrutura política democrática a salvo de golpes militares ou civis.
Infelizmente, continua a Síria sob o jugo do ditador cujas suas mãos de ferro estão sujas do sangue dos inocentes nesta carnificina que, praticamente, destruiu o patrimônio material e histórico de cidades sírias, sobretudo Aleppo transformando o país em ruínas e destroços. Se não se fizer alguma coisa para conter as ações discricionárias do presidente Erdogon, não ficaria descartada a possibilidade de um outro conflito fratricida caso ele aprofunde as medias lesivas à liberdade e aos direitos humanos do povo turco.Uma guinada dessa proporções ainda tornaria mais difícil a passagem dos refugiados pelas fronteira turca.
O segundo exemplo-símbolo exibido na mídia global dessa tragédia síria foi o daquela criança de cinco anos que conseguiram resgatar dos escombros em estado deplorável, causando a indignação mundial contra a desumanidade a que podem chegar a brutalidade e a insensatez de um guerra civil, cujas vítimas mais prejudicadas são as crianças, os velhos, os desvalidos. São populações horrorizadas e enxotadas de suas pátrias por ditadores e criminosos que se passam por dirigentes de nações, cujo pior exemplo hoje é o da Síria e de sua ferocidade contra inocentes e desprotegidos. São 300 mil pessoas assassinadas numa guerra civil que parece não mais acabar.É fácil entender por que há tantas ondas de refugiados em busca da vida, da paz e da felicidade em terras distantes.