Tudo já foi dito?
Por Bráulio Tavares Em: 22/09/2011, às 20H23
[Bráulio Tavares]
Por que alguém ainda se dá o trabalho de escrever livros? Tudo já foi dito, tudo já foi feito, todas as histórias já foram contadas. Não existe nada na literatura de hoje cuja raiz dramatúrgica não esteja num épico indiano do século X ou numa fábula grega. Os escritores de hoje querem ganhar a vida honestamente, e ninguém pode negar esse seu direito. Mas se querem dizer uma frase nova, contar uma história inédita, trazer alguma idéia original, vão perder a viagem: podem ir tirando o cavalinho da chuva, alojando-o no estábulo e acomodando-se na cama para passar a noite.
John Barth é um desses escritores doidos para dizer algo de novo e constatando, com uma espécie de euforia horrorizada, que tudo já foi dito. Num artigo no The Atlantic (http://bit.ly/r2sswu), ele cita um texto egípcio de 2.000 a. C., em que o escriba Khakheperresenb comenta, com nostalgia: “Ah, se eu tivesse frases que não fossem conhecidas, numa linguagem nova que jamais foi usada, sem uma só frase que tivesse perdido o viço e que já tivesse sido dita pelos homens de antigamente!”. Barth, um deus-pequenino do Pós-Modernismo, é um desses escritores que, vendo a impossibilidade de contar uma história que ainda não foi contada, mexem o tempo inteiro no software da contação de histórias. Como a maioria dos escritores oriundos do meio acadêmico, ele dá a impressão de que leu 50 romances e 500 livros sobre Teoria do Romance. Ou, como disse certa vez uma amiga minha: “Ler um romance escrito por um professor de Literatura é como fazer sexo com um ginecologista”.
É típico não do escritor, mas do professor de Literatura, pensar se aquilo que está dizendo já foi dito antes, e dito melhor. O professor de Literatura compara o livro que está escrevendo com os livros que já foram escritos; o escritor compara o tumulto da página com o tumulto que está na sua cabeça e esquece o resto. Se um indivíduo escreve tendo em mente o propósito de acrescentar algo de novo à Literatura Universal (ou mesmo à Literatura Paraibana, se suas ambições forem mais modestas) vai se ver num beco sem saída, porque há milhões de direções em que essa brava literatura pode ser expandida com proveito. Faria melhor se considerasse que o livro que pretende escrever não pertence nem à Paraíba nem à Humanidade, mas a si mesmo. Se algo já foi dito e já foi escutado, nada nos impede de dizer e escutar de novo, porque nenhuma pedra é arremessada duas vezes à água do mesmo rio. As histórias pedem para serem contadas de novo, porque sempre haverá quem ainda não as escutou, e é um privilégio contá-las pela milésima vez a alguém que as está escutando pela primeira.