Tte.-Cel. Raimundo Teixeira Mendes
Por Reginaldo Miranda Em: 20/06/2020, às 17H06
Reginaldo Miranda*
Na galeria de figuras notáveis do Piauí não pode faltar o tenente-coronel da guarda nacional Raimundo Teixeira Mendes, trabalhador infatigável na lavoura, na pecuária, no comércio e na política da nascente vila de Caxias, no Maranhão. Sua vida foi ceifada muito cedo, vítima de intrigas partidárias, caindo crivado de facas por dois capangas, em emboscada feita na noite de 25 de novembro de 1837, na Praça da Matriz daquela próspera comuna do vale do rio Itapecuru.
Nasceu esse piauiense batalhador no ano de 1795, no Sítio do Meio, então pertencente ao distrito de São Gonçalo, hoje cidade de Regeneração, naquele tempo pertencente ao município de Oeiras. Foi seu genitor o português Custódio Teixeira Mendes, nascido em 1765, no reino, diretor do aldeamento indígena de São Gonçalo (12.10.1793 – 4.11.1793 e 20.6.1795 – 7.10.1795), capitão-mor da vila de Marvão, hoje Castelo do Piauí, arrendatário dos dízimos do Piauí, Cavaleiro da Ordem de Cristo e Cavaleiro Fidalgo da Casa Real. Foi ele o iniciante dessa importante geração no meio-norte brasileiro. Foi sua genitora a senhora Raimunda de Matos Figueredo, natural do mesmo Sítio do Meio, naquele tempo pertencente à freguesia de Nossa Senhora da Vitória. Foram seus avós maternos o também português, natural da freguesia de São Salvador, Bispado de Braga, fazendeiro e diretor do aldeamento indígena de São Gonçalo, Thomaz José de Matos, e sua esposa Ignácia de Matos, piauiense, com quem casara em 2 de janeiro de 1765; ele filho de Manoel de Matos, da referida freguesia de São Salvador, ela filha de Luciano de Barros Galvão, prematuramente falecido e de Floriana de Matos Barbosa, natural do Piauí.
Ao menos um irmão de Raimundo Teixeira Mendes, nasceu no Sítio do Meio, chamado João Teixeira Mendes, que ali fora batizado em 15 de outubro de 1796. Também foi sua irmã d. Ana Apolônia de Mont’serrate Mendes, que fora casada com o sobrinho, capitão de milícias Jacinto Teixeira Mendes (1816 – 1877), filho de Antônio Teixeira Mendes e de sua mulher Quitéria Luiza. Da mesma forma, achamos que esse último era também irmão do biografado (Diário do Maranhão, 3.4.1877).
Pois bem, deixando a fazenda avoenga onde viveu os primeiros anos de uma infância feliz, o pequeno Raimundo mudou-se com a família para a cidade de Oeiras, então capital do Piauí, a fim de prosseguir nos estudos. Existe documento que comprova seu pai ali residir em 1803, no exercício de cargos públicos da governança do lugar.
Completados os estudos que podiam ser oferecidos por aqueles dias, Raimundo Teixeira Mendes ingressa na carreira militar sentando praça em um dos regimentos da capitania.
Paralelamente à bem sucedida carreira militar passou a auxiliar o pai na atividade comercial e na administração das fazendas[1] que mantinham, sobretudo no distrito da freguesia de São Gonçalo de Amarante, terra de seu nascimento, que fora erigida em sede paroquial no ano de 1806, desmembrada que fora da velha matriz de Nossa Senhora da Vitória da cidade de Oeiras.
Em Oeiras, onde residia, convola núpcias no ano de 1826, com dona Rosa da Costa Alvarenga, jovem viúva que ficara por óbito de seu primeiro consorte, o cirurgião lusitano Francisco José Furtado, que prestara relevantes serviços de sua profissão naquela cidade. Daquele primeiro consórcio tivera a viúva apenas um filho que recebera o mesmo nome do genitor[2], e que fora criado como se fora também seu filho pelo amável padrasto. Depois, esse pequeno se revelaria um dos grandes políticos do império, atuando como senador e presidente do conselho de ministros. Era a viúva filha do também português Francisco José da Costa Alvarenga, cirurgião licenciado com importante atuação na cidade de Oeiras, e de sua esposa Josefa Efigênia de Santana, rica matriarca com fazendas no termo de Oeiras, no Piauí e Pastos Bons, no Maranhão, para onde transferiu seu domicílio depois da viuvez.
Em 1827, com 32 anos de idade, visando ampliar os seus negócios e de sua família, Raimundo Teixeira Mendes muda-se para a próspera cidade de Caxias, no Maranhão, onde vive sua era solar. O pai era arrendatário dos dízimos de gado vacum, cavalar e miunças da província do Piauí. Ele em pouco tempo ascende no comércio caxiense projetando-se como um dos principais comerciantes do vale do rio Itapecuru e médio sertão maranhense. Para ali também seguiram seus irmãos.
Dado o seu temperamento expansivo e conciliador, aliado à capacidade de liderança não tarda a angariar ampla popularidade entre a clientela e os companheiros de comércio. Foi um passo para entrar na política, passando a militar com destaque nas fileiras do partido liberal, ali alcunhado bem-te-vi. Assume o posto de tenente-coronel e comandante superior da guarda nacional, em Caxias. Vai eleito para o cargo de juiz municipal da mesma localidade, mais tarde pedindo escusas do cargo, por motivo de doença, sendo-lhe deferido o pleito na sessão de 31 de julho de 1834, do Conselho do Governo (O Publicador Oficial, 17.8.1834).
Candidato a deputado provincial no pleito travado em 1834, foi eleito pelo povo de Caxias e tomou posse do cargo em 16 de fevereiro de 1835. Na sessão legislativa de 18 de fevereiro de 1835, foi eleito por seus pares para quarto vice-presidente da província do Maranhão. Estava assim no pleno comando político da cidade de Caxias e ascendia na política provincial. Era de se esperar que essa sua ascensão meteórica despertasse a inveja de adversários (Echo do Norte, 16.2.1834; 20.2.1835; O Publicador Oficial, 10.1.1835).
E, de fato, ao sair de uma reunião política com correligionários no centro de Caxias, foi atacado por dois capangas a soldo de seus adversários, quando passava na Praça da Matriz, por volta das vinte e uma horas do dia 25 de novembro de 1837. Ainda lutou com os facínoras sendo, porém, atingido por facadas no abdomen, que lhe levaram a óbito defronte à matriz de Caxias. Com apenas 42 anos de idade, tombava este bravo lutador em face do ataque covarde de seus adversários, deixando uma família órfã e a cidade de Caxias sem sua liderança máxima. A população consternada nunca esqueceu esse nefando crime e as consequências foram dolorosas. Os dois executores foram presos mas nunca punidos os mandantes, em face da inércia dos governantes e da justiça. Revoltado com a situação de injustiça, o bravo jornalista e escritor João Francisco Lisboa, que então exercia o cargo de secretário de governo da província, pediu exoneração e passou às trincheiras da imprensa em franca oposição ao governo. Consta que os bem-te-vis, em represália pelo fato dos agressores passarem a ocupar as melhores posições depois do bárbaro crime, confabularam com os Balaios, que, assim, invadiram a cidade provocando grande agitação. Foi, de fato, uma era difícil na política maranhense, notadamente em Caxias (O Jornal, 25.11.1918).
Para ilustrar o que acabamos de narrar, segue correspondência do presidente da província do Maranhão, Francisco Bibiano de Castro ao juiz de direito de Caxias:
“Tendo sido barbaramente assassinado nessa cidade em a noite de 25 de novembro p.p. o Tenente Coronel Comandante da Guarda Nacional Raimundo Teixeira Mendes; eu recomendo a V. S. que tome as mais enérgicas providências para que tenha lugar a captura, e punição de todos os autores de tão horroroso atentado, e se desagrave assim a justiça e humanidade tão atrozmente ultrajadas na pessoa daquele pacífico e infeliz cidadão. Deus guarde a V. S.. Maranhão, 14 de Dezembro de 1837. Francisco Bibiano de Castro. Sr. Dr. Antônio Manoel Fernandes Júnior, Juiz de Direito da Comarca de Caxias” (O Publicador Official, 20.12.1837)
Da mesma autoridade, ao juiz de paz do segundo distrito da mesma cidade:
“Fico de posse do ofício que V. S. me dirigiu com data de 30 de Novembro p.p. , e inteirado do seu conteúdo, tenho a dizer-lhe que assaz sensível me foi a notícia da morte do cidadão Raimundo Teixeira Mendes, perpetrada atraiçoadamente por infames assassinos, que por sua própria boca confessaram serem meros instrumentos de Francisco Máximo de Souza, que se acha oculto, segundo V. S. me informa. Infeliz é a terra onde os partidos ou os indivíduos, bem fora de buscarem na Lei, e só na Lei, o desagravo das ofensas que presumem ter recebido, procuram antes valer-se do ferro assalariado do assassino para contentarem as suas rancorosas paixões, justificando assim as suas desgraçadas vítimas, que sendo sempre muito para lastimar, o são ainda mais no caso presente, em que foi sacrificado um pai de família pacífico e honrado. Consola-me todavia a consideração de que o crime de um ou outro malvado nunca poderá ter ocasião de nodoar-se um povo tão bem morigerado e puro como o maranhense, que sempre olhou com entranhado horror para tão odiosos atentados. (...). Deus guarde a V. S.. Maranhão, 14 de Dezembro de 1837. Francisco Bibiano de Castro. – Sr. José Joaquim da Silveira, Juiz de Paz do 2º Distrito de Caxias”. (O Publicador Official, 20.12.1837)
Em 1849, diante de um novo crime por questões políticas, o fato é assim rememorado:
“Já em 1837, a gente que hoje está no poder roubou-nos o nosso sempre chorado amigo o Tenente-Coronel Raimundo Teixeira Mendes, e apesar da experiência lhes haver mostrado, que por esses meios indignos e horrorosos não é que se ganha a amizade do povo, eles de novo se mancham com o sangue de mais uma vítima” (O Telegrapho, 15.4.1849).
Dezesseis anos depois o fato ainda repercutia na sociedade maranhense, conforme se colhe da seguinte notícia:
“Uma família poderosa, que a todos causava pavor pelo muito exercício que dava aos bacamartes, decretou e efetuou a morte de Raimundo Teixeira Mendes, homem pacífico e digno de melhor sorte, porém que incorria no crime de gozar da maior popularidade pelo seu patriotismo ilibado e pelo seu ânimo benfazejo. O Sr. Camargo distribuiu todos os cargos da prefeitura e as patentes da guarda nacional pelos matadores de Teixeira Mendes e pelos seus sequazes, e içou a província de funcionários tais, que produziram a explosão mais espantosa; Caxias foi que mais sofreu” (O Estandarte, 8.12.1853).
Muitos anos depois, falando sobre a obra do professor José Ribeiro do Amaral, Apontamentos para a história da Revolução da Balaiada (em 3 volumes) quando de sua admissão como sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), assim relatou o Prof. Olímpio Viveiros de Castro:
“... . Antes de tratar do drama, ele descreve com muita sobriedade o cenário; recorda a derrota do partido bemtevi e a exaltação partidária dos seus adversários, que chegou ao ponto de inventarem um movimento revolucionário em Caxias no intuito de arrancar da credulidade do presidente da província, capitão de mar e guerra Francisco Bibiano de Castro (cidadão prestante, bom chefe de família, mas sem a envergadura para homem de governo), medidas impensadas para aniquilar de vez o partido da oposição.
‘É exato que melhor informado, o presidente se apressou em considerar sem efeito os seus últimos atos, restabelecendo a situação anterior.
‘Isto, porém, ainda mais exasperou os ódios partidários, e, em breve, o assassinato em Caxias do tenente-coronel Raimundo Teixeira Mendes veio iniciar longa série dos homicídios políticos” (Pacotilha, 20.8.1914).
Fazendo o elogio do escritor João Francisco Lisboa, disse Fran Paxeco:
“A posição que assumiu ante o assassinato, em Caxias, de Raimundo Teixeira Mendes, deixando de ser secretário do governo provincial, que se mostrava inerte na punição dos criminosos, para ocupar o lugar de ‘jornalista da oposição’, é um dos mais realçantes gestos do notável brasileiro” (Pacotilha, 1.1.1918).
Por essas notas percebe o leitor como esse nefando crime abalou a sociedade maranhense, sobretudo a cidade de Caxias e como repercutiu por muitos anos. Raimundo Teixeira Mendes era ali forte liderança política e gozando de largo conceito popular. Deixou, porém, o ilustre defunto alguns filhos órfãos que foram cuidadosamente educados pela genitora e encaminhados para as principais escolas do País e do exterior, assim, projetando-se na vida pública nacional. Entre esses pode-se mencionar um de igual nome do genitor.
Raimundo Teixeira Mendes, o filho, muito honrou o nome do pai. Natural de Caxias foi notável engenheiro civil, formado nas escolas de Sant-Cyre e de Estado Maior de França. De retorno ao Maranhão, fixou-se em São Luís, onde montou olaria a vapor, no lugar Itapecuruayba. Organizou e foi acionista da Companhia de Navegação a Vapor dos Rios do Maranhão, fundada em 1857. Esteve a serviço do Ministério da Marinha, como administrador de diversas obras em São Luís do Maranhão. Foi nomeado e exerceu por largos anos o cargo de diretor-geral de Obras Públicas da província do Maranhão, quando enfrentou o problema de saneamento público e de abastecimento de águas da cidade de São Luís, assim contrariando os interesses privados da famosa Ana Jansen, que abastecia a cidade. Trabalhou na implantação da Estada de Ferro de São Luís para Teresina, em cujos trabalhos foi sucedido pelo primo dr. Torquato Teixeira Mendes, também formado em Engenharia Civil, na França. Elegeu-se vereador por mais de uma vez e foi presidente da Câmara Municipal de São Luiz, na década iniciada em 1850. Faleceu prematuramente deixando viúva a dona Ignez Vale Teixeira Mendes, de ilustrada família maranhense, além de um filho menor e de igual nome, o terceiro Raimundo Teixeira Mendes (O Estandarte, 3.11.1853; 7.9.1854; A Imprensa, 6.6.1857; 4.7.1857; 22.8.1857; 2.1.1858; A Nova Epocha, 6.5.1857; Diário do Maranhão, 5.8.1857; O Século, 29.10.1859).
O terceiro Raimundo Teixeira Mendes, neto de nosso biografado, era filho do segundo de igual nome e de sua esposa, Ignez Vale Teixeira Mendes. Foi um destacado filósofo e matemático brasileiro, positivista sendo autor do dístico “Ordem e Progresso” da bandeira brasileira. Nasceu em Caxias, a 5 de janeiro de 1855 e faleceu no Rio de Janeiro, em 28.6.1927. Fez o curso de humanidades no Colégio Pedro II, recusando-se entretanto a receber o grau de bacharel em Letras, que aquele estabelecimento então expedia, em face de seu credo político e por ser discípulo de Augusto Comte. Em seguida, iniciou os cursos de medicina e matemática, concluindo-os na França. Fez-se chefe do Apostolado Positivista do Brasil. Casou-se no Rio de Janeiro, com d. Ernestina Torres de Carvalho, sendo o ato celebrado segundo os ritos metodistas, abjurando os cônjuges a religião católica. Foi um brasileiro de muito valor, formando com o pai e o avô paterno uma tríade de Raimundo Teixeira Mendes, que muito honrou a cidade de Caxias, o Maranhão e o Brasil. A estes vem associar-se o Piauí, na qualidade de berço primeiro da família. Com essas notas homenageamos a memória de todos eles, em retribuição ao contributo que deram à nossa sociedade. Merecem, pois, figurar em nossa galeria (Pacotilha, 18.4.1916; 30.6.1927).
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*REGINALDO MIRANDA, advogado, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geografico do Piauí e doTribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.
[1] Em 26.8.1881, Torquato Teixeira Mendes faz referência à fazenda Mata-Pasto, na margem do rio Parnaíba, dizendo que toda esta data de sesmaria fora dos falecidos Raimundo Teixeira Mendes e Rosa da Costa Alvarenga (A imprensa, 15.10.1881).
[2] Senador Francisco José Furtado, filho, foi também por nós biografado.