TRISTEZA

Tristeza para a literatura no início desta noite de 22 de maio de 2008. O poeta Hindemburgo Dobal Teixeira, o H. Dobal, faleceu ainda há pouco no Hospital HTI, em Teresina, onde se encontrava internado faz vinte dias, tratando de uma pneumonia.

H. Dobal é autor dentre outros livros de O tempo consequente, com o qual iniciou a trajetória literária em livro, em 1966. Escrevendo sobre a poesia de H. Dobal assim se expressou o escritor Salgado Maranhão: "Dobal canta a vida miúda do ''homem sóbrio/ e seus dias de mau viver''. O homem arraigado à terra e aos bichos que lhe são parte. Lança luzes sobre essas microvidas enraizadas na terra seca, realçando a dimensão lírica de suas pequenas existências perdidas num espaço e num tempo tão deslocado que realçá-las é quase uma construção da memória.

Mas não as regionaliza, nem dramatiza a sua dor. Ao contrário, dá relevo ao prosaico dessas vidas sem registros que, de tanto abandono, perderam o sentido da urgência e acomodam com humor suas agruras, a rir de si próprias. O poeta constrói uma paisagem verbal telúrica em cuja capilaridade vão se corporificando as anônimas vivências de sua aldeia, numa plasticidade sintática palatável. Com total domínio de sua arte, estampa o hoje, sem datá-lo.

 

Um comboio de palavras substantivas alista-se ao seu discurso poético, tais como: bois, carnaúba, cabras e Parnaíba, formando uma tessitura de encantamento sem jamais cair no lirismo vazio ou decorativo. Sem dúvida há concisão e sobriedade nessa poética, mas nunca secura. Mais que isso, há um frescor de aridez com cacimbas, uma dor que ri na voz desse que é um dos quatro (ou cinco) maiores poetas vivos do Brasil, país que não pode se dar ao luxo de desconhecê-lo."

Saiba mais sobre a trajetória de obra de Dobal

1927 - Nasce a 17 de outubro de 1927 em Teresina, Piauí, Hindemburgo Dobal Teixeira, filho do agrimensor Mário Dobal Teixeira e da professora Rosila de Sousa Dobal Teixeira.

1934 - Matriculado no grupo escolar José Lopes, inicia o primário tendo a própria mãe, Rosila, como professora.

1941 - Estudos secundário e clássico no Liceu Piauiense. Durante o período conhece M.Paulo Nunes e O.G. Rego de Carvalho.

1948 - Ingressa na Faculdade de Direito do Piauí onde em companhia de Manoel Paulo Nunes e O.G. Rego de Carvalho, organiza o grupo literário Meridiano. Eleito representante da Faculdade no XI Congresso Nacional de Estudantes (UNE).

1949 - Publica em parceria com O.G. Rego de Carvalho e M.Paulo Nunes a revista Meridiano. O primeiro número sai em outubro; o segundo em dezembro.

1950/1951 - Em setembro de 1950 sai o terceiro número da revista Meridiano. Levado por Clidenor Freitas, Mário Faustino vai à casa de H.Dobal. Mário residiu provisoriamente por um ano em Teresina. Em carta ao amigo Benedito Nunes, Faustino relata haver "um rapaz que escreve uns belos poemas, muito simples[...] traduz otimamente ingleses e americanos (inclusive Eliot, cummings)[...] queria que visse a biblioteca dele. Tem e lê o que há de mais moderno em criação e crítica". Nesta época Dobal contava entre 23 e 24 anos, e Faustino entre 20 e 21.

1952 - É diplomado Bacharel em Direito, sendo eleito orador da turma.

1960 - Casa-se com Maria Creusa Portella Madeira. Desta união nasceram os filhos Márcio, Luciano e Susana. Muda-se para o Rio de Janeiro trabalhando como funcionário público federal. Aprovado em concurso inicia a carreira de servidor como oficial administrativo do Ministério da Agricultura. Em seguida ingressa no Ministério da Fazenda na função de agente fiscal do consumo ocupando sucessivamente as funções de chefe da Assessoria do Secretário da Receita Federal, presidente do Conselho de Contribuintes e professor da Escola de Administração Fazendária (ESAF), lecionando Direito Tributário e Processo Fiscal. O Exercício desta função possibilita-lhe viajar aos estados do Maranhão, Alagoas, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Em Alagoas atua como Agente Fiscal de Consumo na cidade de Palmeira dos Índios, onde Graciliano Ramos foi prefeito. Entre 1960 e 1971 viajará (ora a trabalho, ora como turista) a Portugal, Espanha, França, Itália, Berlim e Londres, onde visita a casa-museu de Charles Dickens e a cidade natal de Shakespeare, Stratford-upon-Avon, em Warwickshire.

1965 - Após encontrar-se com Manuel Bandeira (que estava em um ponto de ônibus no Rio de Janeiro) oferece-lhe uma carona. Descobrem um amigo comum, Odylo Costa, filho. Marcam um jantar na casa de Odylo e Dobal mostra a Bandeira alguns poemas. Neste ano Bandeira organiza a Antologia de Poetas Bissextos Contemporâneos na qual estão inclusos poemas de H.Dobal. São publicados na revista Senhor alguns poemas de O Tempo Conseqüente.

1966 - Aos 39 anos de idade publica seu primeiro livro: O Tempo Conseqüente (Artenova, Rio de Janeiro). Em concurso literário organizado pelo Instituto Nacional do Mate e pelo jornal O Globo recebe menção honrosa com o livro O Tempo Conseqüente. O concurso não laureou vencedores.

1969 - O Instituto Nacional do Livro (INL-MEC) promove o prêmio Jorge de Lima no qual Dobal concorre e vence com o livro O Dia Sem Presságios.

1970 - Publica O Dia sem Presságios (Artenova, Rio de Janeiro).

1971 - Traduz O Vidiota: O Homem que Aconteceu de Kosinsky Jerzey (Artenova, Rio de Janeiro). Entre os anos de 1970 e 1971, por indicação do Ministério da Fazenda, cursa pós-graduação na Escola de Economia da Universidade de Londres. Em Berlim, realiza curso de preparação para o magistério superior de Administração na Fundação Alemã para o Desenvolvimento. Em 1971 muda-se para Brasília. De lá viajará aos EUA a serviço para realizar curso como fiscal de tributos federais. Em companhia de Domingos Carvalho da Silva, e convidado por Almeida Fischer, começa a freqüentar as reuniões de intelectuais na casa de Fischer. Neste período surge o convite para ingressar na Academia Brasiliense de Letras. Inicia os estudos de alemão no Instituto Goethe. Permanecerá em Brasília até 1986.

1972 - Traduz Viver bem é a Melhor Vingança de Tomkins Calvins (Artenova, Rio de Janeiro).

1973 - Publica A Viagem Imperfeita (Artenova, Rio de Janeiro), livro de crônicas de viagens. Traduz A Felicidade Rosewater de Kurt Vonnegut Jr. (Artenova, Rio de Janeiro).

1974 - Publica A Província Deserta (Artenova, Rio de Janeiro).

1978 - Publica A Cidade Substituída (Edições SIOGE, São Luís-MA). Publica ainda no mesmo ano A Serra das Confusões (Editora Corisco, Teresina-PI).

1980 - Publica pela coleção Folhetim o Poema "El Matador" (Editora Corisco, Universidade Federal do Piauí).

1985 - Publica Um Homem Particular, livro de contos (Projeto Petrônio Portella, Teresina-PI).

1986 - A Fundação Cultural do Piauí lança a segunda edição de O Tempo Conseqüente com prefácios de Odylo Costa, filho (acompanhado de um breve comentário de Manuel Bandeira retirado da Antologia de Poetas Bissextos Contemporâneos) e um estudo de Maria G. Figueiredo dos Reis.

1987 - Publica Os Signos e as Siglas (Editora Corisco, Teresina-PI).

1988 - Publica Uma Antologia Provisória (Editora Corisco, Fundação Cultural do Piauí, Teresina-PI).

1989 - Em uma tiragem de 50 exemplares publica Cantiga de Folhas em forma de cartão (Editora Corisco, Teresina-PI). A Academia Brasiliense de Letras elege-o para a cadeira nº21, cujo patrono é Rui Barbosa. Dobal substitui a vaga deixada pelo ministro Aliomar Baleeiro.Publica pelo projeto Petrônio Portella um livreto com o poema "El Matador".

1991 - Recebe da Universidade Federal do Piauí o título de Doutor Honoris Causa.

1992 - Publica Roteiro Pitoresco e Sentimental de Teresina (Fundação Cultural Monsenhor Chaves, Teresina-PI). Este livro permaneceu inédito por 40 anos; foi redigido em 1952 em homenagem aos cem anos da cidade de Teresina. Neste mesmo ano, a convite de uma comissão de acadêmicos é eleito por unanimidade para a cadeira nº10 da Academia Piauiense de Letras. Dobal ingressa em substituição do Monsenhor Antônio Monteiro de Sampaio na cadeira patroneada por Licurgo Paiva.

1993 - O Museu do Couro solenemente consagra uma placa com o poema "Campo Maior".

1995 - Publica Ephemera (Edufpi, Teresina-PI).

1997 - Publica Grandeza e Glória nos Letreiros de Teresina (Editora Corisco, Teresina-PI).

2000 - Publica Lírica. (Oficina da Palavra/Instituto Dom Barreto, Teresina-PI).

2002 - Publica Gleba de Ausentes - Uma Antologia Provisória (Editora Corisco, Teresina-PI). É lançado, sob a direção de Douglas Machado o documentário H. Dobal - Um Homem Particular. Homenageado pela Academia Brasileira de Letras numa cerimônia no Rio de Janeiro presidida por Alberto da Costa e Silva e palestrada por Ivan Junqueira.

 

Do livro inédito CAMPO DE CINZA: REALISMO FENOMÊNICO E FUNÇÃO ÉPICA NA POESIA DE H.DOBAL, de autoria de Ranieri Ribas


 Leia alguns dos poemas do consagrada escritor;

A MORTE 

A morte aparece
sem fazer ruído.

Senta-se num canto
fica indiferente
com seu ar de calma
absoluta.
Mira longamente
o quarto o retrato
a cama os remédios
postos entre os livros
sobre a mesa escura.

Depois se levanta
sem nenhuma pressa
sem impaciência
retorna ao seu mundo
a morte, de gestos
claros e serenos.


Campo Maior

Ai campos do verde plano
todo alagado de carnaúbas.
Ai planos dos tabuleiros
tão transformados tão de repente
num vasto verde num plano
campo de flores e de babugem.

Ai rios breves preparados
de noite e nuvem. Ai rios breves
amanhecidos na várzea longa,
cabeças d'água do Surubim
no chão parado dos animais,
no chão das vacas e das ovelhas.

Ai campos de criar. Fazendas
de minha avó onde outrora
havia banhos de leite. Ai lendas
tramadas pelo inverno. Ai latifúndios

As Chuvas

Nas mãos do vento as chuvas amorosas
vinham cair nos campos de dezembro,
e de repente a vida rebentava
na força muda que as sementes guardam.

Nas ramas verdes rebentava a luz
e a doçura do tempo transformava
a terra e o gado na pastagem tenra,
na alegria dos rios renovados.

Cheiro de mato e de currais suspensos
no ar que os dedos do inverno vão tecendo
mais uma vez nos campos de dezembro.

E nos trovões a tarde acalentada,
cantigas de viver que a chuva traz
numa clara certeza repetida.

Réquiem

Nestes verões jaz o homem
sobre a terra. E a dura terra
sob os pés lhe pesa. E na pele
curtida in vivo arde-lhe o sol
destes outubros. Arde o ar
deste campo maior desta lonjura
onde entanguidos bois pastam a poeira.

E se tem alma não lhe arde o desespero
de ser dono de nada. Tão seco é o homem
nestes verões. E tão curtida é a vida,
tão revertida ao pó nesta paisagem
neste campo de cinza onde se plantam
em meio às obras-de-arte do DNOCS
o homem e os outros bichos esquecidos.

Bucólica

Esta paisagem morta onde somente
vão ruminado as cabras os seus dias,
não se rumina em mim como lembrança
mas como um sonho repetindo os dias

O sonho desse tempo repetido
pára na luz que banha-os dias mortos,
e em mim de novo esta paisagem clara
bem levemente vai-se recompondo

Neste céu de verão campeiam nuvens.
No descampado azul vai o silêncio
os seus segredos ruminando em paz

E como um sonho permanece o tempo
em seu passado. Lento vai crescendo
na paisagem das cabras um menino


Inverno

Um horizonte de chuvas demorado
de seus duros verões levanta os campos
e o inverno se faz de tantas noites
onde se pede o curso dos riachos

A pastagem rasteira retocada
pelas ovelhas da manhã não cresce
nesses perdidos campos da memória
onde um menino vive a sua infância

Cresce na solidão de outros meninos
se preparando agora para o exílio
de estrangeira cidade onde mais tarde

confinados ao sonho pensarão
no abôio das chuvas na doçura
dos campos transformados pelo inverno