SESSÃO NOSTALGIA:

A CRÔNICA ABAIXO, ESCRITA HÁ 11 ANOS,   EXPRESSA AINDA MAIS PUNGENTEMENTE O QUE  ESCREVI   ONTEM SOBRE  A TRAGÉDIA  DE PETRÓPOLIS NESTE MÊS. OBSERVE, LEITOR,  QUE,  A DESPEITO DAS  MINHAS ADVERTÊNCIAS E CERTAMENTE DE OUTROS BRASILEROS   QUE AMAM ESTE PAÍS,OS NOSSOS RECORRENTES  PROBLEMAS  DE HABITAÇÃO,     AS TRAGÉDIAS QUE NOS ASSOLAM  CATASTROFICAMENTE,  CONTINUAM  A ACONTECER E AS PROVIDÊNCIAS  CABÍVEIS E  URGENTÍSSIMAS QUE,  NA MINHA ANTIGA CRÔNICA,    JULGUEI, DE BOM  ALVITRE,  SEREM  TOMADAS,   NÃO FORAM, A MEU JUÍZO,   NEM COGITADAS  PELAS AUTRIDADADES BRASILEIRAS, CONSOANTE  SE PODE CONSTATAR COM  ESTA  NOVA ASSOMBROSA  TRAGÉDIA EM PETRÓPOLIS. 

 O PAÍS  CONTINUA  PRATICAMENTE  O MESMO, OU  ATÉ  PIOR NOS SEUS MALES  E AFLIÇÕES CRÔNICOS.  

 

:                                      Tragédias anunciadas

                                                                 Cunha e Silva Filho

                        Nos tempos  de paz e de alegrias nos períodos de férias ou no cotidiano urbano ou periférico tudo parece indicar que se vive o momento presente como se ele fosse a eternidade dadivosa em todos os aspectos  da vida. A realidade não é assim. Ela, sem aviso,  nos pega de surpresa e nos reserva amargas surpresas muitas vezes. Foi o que se deu agora em três  importantes  cidades serranas: Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Conheço as três  mas, com mais familiaridade, o centro de Petrópolis, que lembra  cidades europeias,  a começar do clima, que muda  os costumes da indumentária com mais frequência que no Rio de Janeiro. As três belas cidades são o encanto de turistas brasileiros e estrangeiros. Quem tem mais posses,  em geral compra uma casa ou um  apartamento  por lá,  a fim de  fugir  do calorão carioca. É um refrigério.

Por isso, no passado,  figuras importantes da vida pública e cultural  lá foram residir ou lá tinha um segundo endereço: Ruy Barbosa, Santos Dumont, Tristão de Athayde. Algumas outras lá lecionaram (Universidade Católica de Petrópolis) como o grande  linguista brasileiro Mattoso Câmara, de quem fui aluno  na Faculdade  Nacional de Filosofia, no curso de Letras e Roberto Alvim Correia,  grande  ensaísta ligado à cultura francesa, que conheci de vista  naquela mencionada  universidade e  através de seus  trabalhos como  autor de um ótimo dicionário  Francês-Português e Português-Francês, de uma excelente gramática francesa publicados pela antiga FENAME, e sobretudo de ensaios da melhor qualidade..

Pois foi nessas regiões  montanhosas  e verdejantes que uma grande tragédia acaba de  acontecer matando  mais de quatrocentas pessoas de todas as classes. A imprensa a classificou como a maior tragédia brasileira  no que concerne a catástrofes  provocadas  por variações climáticas.

As tragédias no país, sobretudo no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e estados do Sul e do Sudeste, se repetem como se fossem uma segunda natureza, ou seja,  se tornaram  naturais,  banalizadas, sem que efetivamente da parte de diversos governos tivessem sido  tomadas   as medidas preventivas de longa duração, com obras de engenharia de ponta,  planejadas  por geólogos  altamente especializados  dos quais  não faltam em nossas universidade públicas  ou privadas.

Tudo, a meu ver,  se resumiria em planejamento,  em vontade  política séria e não  demagógica. Não se tem hoje um Ministério  de Integração Nacional? Presumo  que  essa instituição pública  federal  conte com  um corpo de funcionários competentes,engenheiros, geólogos,  técnicos especializados no setor de enchentes,  em contenção de encostas,   e principalmente em prevenção  continuada  e vigilante de possíveis  sinais  de  condições meteorológicas que possam,  com  grande antecipação,  prevenir-se contra  calamidades de tal  porte causadoras  de perdas  humanas e de  danos  materiais que seguramente  desestabilizarão a normalidade dessas  cidades atingidas implacavelmente  por tempestades e inundações  de proporções  gigantescas,  praticamente  quase destruindo nossas cidades, a sua vida  econômica,  a sua agricultura,  indústria, comércio, lazer, turismo, a vida  dos seus habitantes que  se veem privados de  tudo que conseguiram com sacrifício durante a vida, e   sobretudo  a perda sem preço de seus entes queridos.

 Essas tragédias  equivalem  a verdadeiros terremotos,  lembram  tsunamis  de água,  que invadem  violentamente a cidade e tudo que nela existe ou de lama  que desce das montanhas com  rochas  soltas que vão  devastando  tudo  que encontram  pela frente, ate prédios de boa construção.

O pior, indiscutivelmente,  é o saldo  trágico dos mortos, crianças, jovens, adultos, velhos. Nem bombeiros, que prestam um  inestimável serviço à vida  humana e  ao patrimônio  privado ou público,   escaparam  dessa vez e foram tragados e levados  pelas  águas em fúria.

Esta não é a primeira vez  que sofremos  tais tragédias. Temo, contudo,  que ainda desta vez  as providências que sugeri  acima ainda não sejam  devidamente  analisadas e implementadas.

As três  belas cidades   estão  de luto. O povo brasileiro está de luto. O país já não aguenta mais  protelações  e paliativos. É preciso que,  como  oportunamente  disse um conhecido   cantor  brasileiro, que  não  se fique apenas  expressando a nossa  “emoção”, cumpre que se  parta para  a “ação.” 

 O brasileiro é muitas vezes  pouco racional,  vai muito  pelo impulso, pela improvisação,   do momento presente, mas não  se detém  para refletir  de modo mais racional, exigindo dos governantes e da sociedade que mudanças  sejam  feitas,  que se cumpram  as leis de uso  do solo urbano, que não haja  complacência com  a corrupção burocrática,  nem   se tergiverse    em questões  de autorização  de “habite-se” em  áreas cujo  solo é inapropriado para   construções, seja  de ricos, sejas de pobres.

A lei de planejamento urbano tem que ser rígida, inflexível. Os assentamentos que ainda existem devem ser  objeto de análises profundas   para verificação da adequação ou inadequação de condições seguras de moradia, a fim de que   ações eficazes  dos governos municipais, estaduais e federal sejam  implementadas sob a fiscalização de órgãos  competentes federais  com respeito  a verbas alocadas  aos setores  dos governos  municipais e estaduais para assuntos  de  planejamento  urbano,  habitação, assentamento,   e exames geológicos nos casos  de cidades  cercadas  por morros ou atravessadas  por serras.

 A escolha  de técnicos e engenheiros para esses quadros e funções não deve se pautar  por indicações políticas, mas  sim  deve  ser  recrutada   no universo acadêmico das nossas grandes universidades ou, quando não,  todo esse know-how de ponta deve servir de consultoria aos governos. As pessoas  de poucos  recursos financeiros devem ser reassentadas em  lugares  seguros, onde  o perigo de inundações  e deslizamentos de terra  seja, o quanto  possível,  zerado.

O país não pode mais esperar de braços cruzados por novas tragédias e sim procurar urgentemente  impedir  que elas,  que   não dependem  da vontade  do homem, pelo menos  venham  menos violentas e reduzam drasticamente  mortes e outros tipos de destruição, porquanto tanto a tragédia quanto os danos materiais nos dão a sensação de que nossas cidades também estão morrendo tão sombria  e melancólica  é a paisagem  que fica diante de nossos  olhos  em lágrimas.