Tradução de um poema de Charles Lamb

Cunha e Silva Filho

Charles Lamb (1775-1834), como poeta, não seguiu nenhum movimento literário, nem ninguém e, de acordo com George Schorske,* não conheceu nenhum seguidor. Acrescenta o mesmo autor, Lamb foi único. Além de poeta, notabilizou-se como romancista e ensaísta.

Londrino da gema, Lamb, dos oito aos quinze anos, teve, no Christ Hospital, como colega escolar Samuel Taylor Coleridge(1772-1834). Foi empregado em escritório de contabilidade, o India House, até 1825.

Com Coleridge se uniu para escrever sonetos para o “Morning Post”. Fez, depois, amizade com Robert Southey (1774-1843). Tempos depois, deu a lume um breve e “patético” conto em prosa, Rosamond Gray , no qual faz alusões a um aspecto biográfico triste que rondou a sua família, a loucura a tal ponto que sua irmã mais velha, Mary, num dos muitos surtos de loucura, terminou por matar a própria mãe, apunhalando-a. Entretanto, Mary, quando lúcida, colaborou com ele na elaboração dos seus Tales founded on the plays of Shakespeare (1807). Nesse trabalho conjunto, a irmã cuidava das comédias e Lamb, das tragédias. Essa obra tornou-o respeitado e estimado.

No ano seguinte, Lamb publicou um livro de ensaios insuperável contendo observações críticas de vulto, Specimens of English dramatic poets. Editou ainda Poetry for children, em colaboração com a sua irmã Mary. Uma década depois, apareceram Works em dois volumes.

Àquela altura, Lamb deu como encerrada sua carreira literária, Todavia, animado pela “London Magazine”, ainda escreveu uma série de outros ensaios, tendo por título Essays of Elia, obra com a qual sua reputação literária atingiu seu ponto mais alto.

Em 1833, conseguiu reunir sua melhor produção em prosa. Sob o título The last essays of Elia. Foi essa obra o seu “canto de cisne”, segundo assinalou o citado Schorske. O poeta Robert Southey dele afirmou: “ Lamb foi um homem bom de quem me lembro com ternura.”

O poema que você, leitor, ira ler, em tradução bilíngue, explora o tema do “ubi sunt?”, tema encontradiço em muitos poetas de diversas épocas e países, como, entre nós, em Manuel Bandeira, Da Costa e Silva e outros. Veja-o abaixo:

The old familiar faces

I have had playmates, I have had companions

In my days of childhood, in my joyful schoool-days;

All, all are gorne, thee old familar faces.

I have been laughing, I have been carousing,

Drinking late, sitting late, with my bosom coronies;

All, all are gone, the old familiar faces.

I loved a Love once, fairest among women:

Closed are her doors on me, I must not see her –

All, all are gone, the old familiar faces.

I have a friend, a kinder friend has no man;

Like an ingrate, I left my friend abruptly;

Left him, to muse on the old familiar faces.

Ghost-lide I paced the haunts of my childhood,

Earth seem’d a desert i was bound to traverse,

Seeking to find the old familiar faces.

Friend of my bvosom, thou more than a brother,

Why wert thou born in my father’s dwelling?

So might we talk of the old familiar faces.

How some have died, and some they have left me,

And some are taken from me; all are departed:

All, all are gone, the old familiar faces.

Os velhos rostos conhecidos

Amigos tive de folguedos, companheiros tive

Nos dias da minha infância, nos meus alegres dias de escola;

Todos se foram, os velhos rostos conhecidos.

Muitas risadas, tantas farras homéricas.

Libações noturnas, varando madrugadas, com os meus velhos amigos do peito;

Todos, sem exceção, se foram, meus velhos rostos conhecidos.

Certo dia, o Amor bateu-me à porta. Era a mais bela mulher:

Vê-la mais não devo, suas portas se me fecharam –

Todos se foram, todos, meus velhos rostos conhecidos.

Um amigo tenho, igual não há;

Ingrato, irrefletidamente, o abandonei;

Sim, abandonei-o só para meditar sobre os velhos rostos conhecidos.

Qual fantasma, percorri os lugares de minha infância,

Um deserto a Terra se me afigurava, cuja travessia cumpria fazer,

Procurando encontrar os meus velhos rostos conhecidos.

Amigo de verdade, tu vales mais do que um irmão,

Por que, no seio da minha família, não nasceste

Para que pudéssemos falar dos velhos rostos conhecidos?

Perdi a conta dos que se tornaram eternos, alguns de mim se afastaram,

Outros me foram arrancados; todos partiram;

Sim, não sobrou um sequer dos velhos rostos conhecidos.

* As referências biobibliográficas e de história literária foram colhidas em SCHORSKE, George. The the new applied Grammar. 2º tomo. V. Parte: Esboço de literatura inglesa. Porto Alegre: Edições da Livraria do Globo, 1942, p. 203-204.

12Você, Sandra Coutinho, Tere Tavares e outras 9 pessoas

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Joao Pinto

Amigo Francisco, o Geovane publicou um matéria tua no grupo Contos entre paisagens. E deixei um comentário sobre tua escrita.

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Tere Tavares respondeu

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FWilson Fernandes

Poesia romântica, ao estilo Byron: saudosismo, farras noturnas, solidão, sofrimento, desmotivação de viver. Excelente tradução.

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Francisco Da Cunha respondeu

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Carla Assumpção

Meu tradutor favorito 

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Francisco Da Cunha respondeu

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Tere Tavares

Esse poema fala de partidas e ausências de rostos (pessoas), fatos inevitáveis que permeiam qualquer vida. Tocou-me profundamente. Obrigada por postá-lo com a devida e competente tradução, amigo Francisco Da Cunha. Bom dia.

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Amei

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57 min

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Francisco Da Cunha

Tere Tavares V., Tere Tavares, tem a bondade dos grandes artistas - uma bondade que emana do fundo do seu coração, permeado esse de verdades íntimas, de compreensões densas, de fruições recorrentes da beleza tanto expressa numa leitura atenta de uma simples tradução quanto na delicadeza de falar sobre o que V. lê com tanta intensidade d'alma. A vida literária, cultural, artística, enfim, precisa de seres iguais a V. , seres nos quais a felicidade alheia é compartilhada com a ternura da mente e do coração de artista sempre em busca do Belo e do Eterno. Abraços afetuosos.

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