Cunha e Silva Filho

 

                       Victor Hugo (1802-1885) praticamente não necessita de apresentação tão forte é sua presença nos estudos do Romantismo brasileiro, tão grande é a sua influência como escritor intimamente ligado à história da política francesa do século 19, sobretudo quando se opôs ao príncipe Napoleão e teve que deixar a França, sofrendo um exílio de dezoito anos em Guernesey. Felizmente, soube aproveitar esse longo período de ausência da pátria escrevendo obras literárias de grande valor, como, entre muitas outras, La Légende des Siècles, Les Misérables, Notre-Dame de Paris. 
                       Escritor fecundo e renovador, repartiu-se em outros gêneros de literatura, a poesia ( lírica e épica) a ficção, o teatro, o qual ,na sua obra, sofreu alteração de estrutura, rompendo com a unidade de lugar e de tempo, mas preservando a unidade de ação do teatro clássico. Tornou-se o chefe do Romantismo francês e suas idéias teóricas sobre esse movimento se encontram consubstanciadas no seu “Prefácio de Cromwell”, de 1827. Ainda em vida, sua obra recebeu o favor incondicional do povo francês, assim como foi mundialmente respeitada. Foi chamado uma vez “a criança sublime” por Chateaubriand.
                      Hugo, como poeta, não foi, segundo Maria Junqueira Schmidt, um escritor espontâneo, porém obstinado na sua produção. Cantou o mar, o amor, a família, a pátria e sobretudo a infância. Sua linguagem, entretanto, operou consideráveis marcas de originalidade, ganhando riqueza e colorido, ou ainda, nas palavras de Maria Junqueira Schmidt, “... um poder verbal que impregna todas as suas obras de uma clareza e um vigor incomparáveis”. Ofereço ao leitor, a seguir, a minha tradução bilíngüe de um dos seus poemas:
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Pluie d’Été

La pluie a versé ses ondées;
Le ciel reprend son bleu changeant,
Les terres luisen fécondées
Comme sous un réseau d’argent.
Le petit risseau de la plain e,
Pour une heure enflé, rooule et traîne
Brins d’herbes, lézards endormis:
Court et précipitant son onde
Du haut d’un caillou qu’il inonde
Fait des niagaras aux formis!

Tourbillonant dans ce déluge,
Des insectes sans avirons
Voguent pressés, frêles refuges1
Sur des ailes de moucherons,
D’autres pendent, comme à des îles,
Dês feuilles, errants asiles;
Hereux dans lelur adversité,
Si peerçant les flots de sa cime,
Une apaille au bord de l’abîme
Retient leur flottante cité!

Les courants ont lavé le sable,
Au soleil montent les vapeurs,
Et l’horizont insaisissable
Tremble et  fuit sous leurs plis trompeurs
On voit seulement sous leurs voiles
Comme d’incertaines étoiles
Des points lumineux scintiller,
Et les monts, de la brume enfuie,
Sortis, et ruisselant de pluie,
Les toits d’ardoise étinceler

 

 

Chuva de Verão


Em aguaceiro transmuda-se a chuva,
O céu retoma seu azul cambiante,
Brilham as terras fecundadas
Como se rendilhadas de prata.
O pequeno riacho da planície,
Numa hora inunda-se, rola e se arrasta.
Talos de ervas, lagartas adormecidas:
Curto e precipitando suas ondas,
Do alto de uma pedra que inunda,
Faz niágaras pras formigas!

Turbilhonando neste dilúvio,
Insetos vagueiam apressados, frágeis refúgios!
Sobre as asas de mosquitos.
Outros pendem, ilhados,
Das folhas, errantes asilos,
Felizes na sua adversidade.
Segura de si, uma palha,
Na ponta do abismo, defende,
Das ondas de seu cume,
Sua flutuante cidade.

Lavam a areia as correntes
Ascendem ao sol os vapores,
Insaciável, o horizonte
Treme e foge sob ilusórias pregas.
Por baixo dos véus,
Apenas veem-se,
Como estrelas incertas,
Pontos cintilhantes.
E os montes, sumidos nas brumas ocultas,
Encharcados de chuva,
Os telhados de ardósia
Iluminam.
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