TRADUÇÃO DE UM POEMA DE LECONTE DE LISLE (1818-1894)
Por Cunha e Silva Filho Em: 18/06/2019, às 11H08
La mort d’un lion
Étant un vieux chasseur altéré de grand air,
Et de sang noir des boeufs, Il avait l’habitude
De contempler de haut les plaines et la mer,
Et de rugir en paix, libre en sa solitude.
Aussi, comme um damné qui rode dans l’enfer,
Pour l’inepte plaisir de cette multitude
Il allait et venait dans sa cage de fer,
Heurtant les deux cloisons, avec sa tête rude.
L’horrible sort, enfin, ne devant plus changer,
Il cessa brusquement de boire et de manger:
Et la mort emporta son âme vagabonde.
Ô coeur toujours en proie à la ,
Qui tournes, haletant, dans la cage du monde,
Lâche, que ne fais-tu comme a fait ce lion?
A morte dum leão
Um velho caçador ávido de ar livre
Habituara-se ao sangue negro dos bois
Contemplava do alto as planícies e o mar
E rugia em paz, livre na solidão
Vagando como um réprobo no inferno,
Para o prazer estéril dessa multidão
Na jaula de ferro andava para lá e prá cá,
A rude juba batendo contra dois tabiques
Consumou-se, enfim, agora o infausto destino
Deixou bruscamente de beber e comer,
E a morte levou-lhe a alma vagabunda
Oh, coração, atormentado sempre pela revolta,
Ofegante, o cárcere do mundo contemplas.
Covarde, por que não ages como o fez esse leão?
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
NOTA:
Retrabalhei, na medida do possível, essa tradução do soneto de Leconte de Lisle. Da primeira tradução recebi um dura crítica de um leitor que, na minha tradução, não via a beleza que sentia no original francês com referência a ritmos, métrica e rimas.
Ora não costumo empregar, nas minhas traduções, a rima. No entanto, lhe dei uma explicação do que penso da minha tradução e do ato de traduzir. Não sei se ele leu a minha réplica. Parece-me que não. Não quis polemizar.
Abaixo, deixo-lhe, leitor e amigo, transcritas a crítica à minha tradução primeira e a minha réplica ao censor:
Pois sim, veja só como tradução é uma coisa complicada.
A versão para o português perdeu toda a graça da língua francesa, a métrica ficou comprometida, as rimas se perderam e o caráter de soneto caducou.
Ainda assim, salve Leconte de Lisle!
Vanelois
Cunha e Silva Filho5 de setembro de 2012 09:02
Venelois Martin:
Fico surpreso com a sua "crítica" à minha tradução do soneto de Lecontede Lisle. Primeiro, porque o que você afirma haver da beleza da línguafrancesa no original é algo para mim muito subjetivo.
Se a língua francesa tem graça, tenho o direito igualmente de afirmar que o poema em português tem, repito, para meus ouvidos de brasileiro, a "graça” da língua portuguesa. Não é preciso que haja a mesma "graça" numa língua e na outra. Pura subjetividade carente de argumentação.
Quanto a não me preocupar com a metrificação rigorosa do original, assim como com a rima, isso não é, a meu ver, vital ao pensamento sintetizando as ideias do soneto.
Há compensações inúmeras à disposição do tradutor, e isso eu faço com responsabilidade no ato digno de verter para o meu idioma, respeitando a índole da minha língua, a sua sonoridade, a harmonia interna que só os ouvidos tortos não sabem perceber nem têm a sensibilidade para tanto.
Ademais, não são só a rima e a métrica que propiciam ao tradutor a realizar uma boa tradução. Como ”caducou” o “caráter “desse soneto na minha tradução? Nenhuma outra língua, ainda que do mesmo tronco linguístico, possui as mesmas rimas que as da língua de origem. Isso já é o suficiente para desqualificar a assertiva do pretenso crítico.
Um soneto é bom não porque seja rimado, senão todos os sonetos que fossem rimados seriam bons em decorrência dessas muletas.
O torneio que dou à tradução bem pode compensar a ausência
desses dois elementos rítmicos e sonoros ( métrica e rima) Não vejo a beleza do soneto apenas por este prisma. A beleza está na sua comunicação, no arranjo sintático adequado ao vernáculo, que não pode se escravizar ao original.
A força do soneto traduzido está na sua verdade sintático-semântico-vocabular sempre obedecendo a uma correspondência interna que o tradutor vai descobrindo no ato da transposição.
Se a qualidade dos versos de um poema dependesse só das muletas das rimas, como então ficariam os poetas do Modernismo e das diferentes vanguardas que surgiriam a posteriori.
Finalmente, recordo-lhe que tenho pela língua francesa, levado pelas mãos de meu pai que, por sinal, me lecionou francês na adolescência, o mesmo carinho que dedico ao vernáculo e faço minhas traduções por amor à cultura e à seriedade imprimidos ao que realizo no campo da literatura sem fronteiras.
Repito-lhe que se a sua sensibilidade é embotada e não tem ouvidos musicais em língua portuguesa, isso não é culpa minha, como não é culpa sua não ter educação pelo que diz e, ao dizer, o faz mal.
Cunha e Silva Filho