La mort d’un lion

 

Étant un vieux chasseur altéré de grand air,

Et de    sang noir des boeufs, Il avait l’habitude

De contempler de haut  les plaines  et la mer,

Et de rugir en  paix, libre en sa solitude.

 

Aussi, comme um damné qui  rode dans l’enfer,

Pour l’inepte plaisir de cette multitude

Il allait et venait dans sa cage de fer,

Heurtant les deux cloisons, avec sa tête rude.

 

L’horrible sort, enfin, ne devant plus changer,

Il cessa brusquement de boire et de manger:

Et la mort emporta son  âme vagabonde.

 

Ô coeur toujours en proie à la ,

Qui tournes, haletant, dans la cage du monde,

Lâche, que ne fais-tu comme a fait ce lion?

 

 

  A morte dum leão

 

 

Um velho caçador ávido de  ar livre

Habituara-se ao sangue negro dos bois

Contemplava  do alto as planícies e o mar

E rugia  em paz, livre na solidão

 

Vagando como um réprobo no inferno,

Para  o prazer estéril dessa multidão

Na jaula  de ferro andava  para lá e prá cá,

A  rude juba batendo contra dois  tabiques

 

Consumou-se,  enfim, agora o  infausto destino

Deixou  bruscamente de beber e comer,

 E  a morte levou-lhe  a alma vagabunda

 

Oh, coração,  atormentado sempre pela revolta,

Ofegante,   o cárcere do mundo contemplas. 

Covarde,  por que  não ages como o fez esse leão?

 

                                                         (Trad. de Cunha e Silva Filho)

 

NOTA:

 

Retrabalhei,  na medida do possível,  essa tradução do soneto  de Leconte de Lisle. Da primeira  tradução  recebi um dura crítica  de um leitor que, na minha tradução, não via  a beleza que sentia no original  francês com referência a ritmos, métrica e rimas.

Ora  não costumo   empregar,  nas minhas traduções, a rima. No entanto,  lhe dei uma explicação do que penso  da minha tradução e do ato de traduzir. Não sei se ele  leu a minha réplica. Parece-me que não. Não quis polemizar.

Abaixo,  deixo-lhe, leitor e amigo, transcritas  a   crítica à minha tradução primeira e  a minha  réplica  ao censor:

 

Pois sim, veja só como tradução é uma coisa complicada.
A versão para o português perdeu toda a graça da língua francesa, a métrica ficou comprometida, as rimas se perderam e o caráter de soneto caducou.

Ainda assim, salve Leconte de Lisle!

Vanelois

 

Responder

 

Cunha e Silva Filho5 de setembro de 2012 09:02

 

Venelois  Martin:

      Fico surpreso com a sua "crítica" à minha tradução do soneto de Lecontede Lisle. Primeiro, porque o que você afirma haver da beleza da línguafrancesa no original é algo  para mim muito subjetivo.
Se a língua francesa tem graça, tenho o direito igualmente de afirmar que o poema em português tem, repito, para meus ouvidos de brasileiro, a "graça” da língua portuguesa. Não é preciso que haja a mesma "graça" numa língua e na outra. Pura subjetividade carente de argumentação.

      Quanto a não me preocupar com a metrificação rigorosa do original, assim como com a rima, isso não é, a meu ver, vital ao pensamento sintetizando as ideias do soneto.

     Há compensações inúmeras à disposição do tradutor, e isso eu faço com responsabilidade no ato digno de verter para o meu idioma, respeitando a índole da minha língua, a sua sonoridade, a harmonia interna que só os ouvidos tortos não sabem perceber nem têm a sensibilidade para tanto.

       Ademais, não são só a rima e a métrica que propiciam ao tradutor a realizar uma boa tradução. Como ”caducou”  o  “caráter “desse soneto  na minha tradução? Nenhuma  outra  língua, ainda que do mesmo  tronco linguístico,  possui as mesmas rimas  que  as da língua de origem. Isso já é o suficiente para desqualificar a assertiva do pretenso crítico.

     Um soneto  é bom não porque seja  rimado,   senão todos os sonetos que fossem rimados  seriam bons  em decorrência  dessas muletas.       

      O torneio que dou à tradução bem pode compensar a ausência
desses dois elementos rítmicos e sonoros ( métrica e rima) Não vejo a beleza do soneto apenas por este prisma. A beleza está na sua comunicação, no arranjo sintático adequado ao vernáculo, que não pode se escravizar ao original.
    A força do soneto traduzido está na sua verdade sintático-semântico-vocabular sempre obedecendo a uma correspondência interna que o tradutor vai descobrindo no ato da transposição.

       Se a qualidade dos versos de um poema dependesse só das muletas das rimas,  como então   ficariam os poetas  do Modernismo e das diferentes vanguardas que  surgiriam  a posteriori.   

        Finalmente, recordo-lhe que tenho pela língua francesa, levado pelas mãos de meu pai que, por sinal, me lecionou francês na adolescência, o mesmo carinho que dedico ao vernáculo e faço minhas traduções por amor à cultura e à seriedade imprimidos ao que realizo no campo da literatura  sem fronteiras.

   Repito-lhe que se a sua sensibilidade é embotada e não tem ouvidos musicais em língua portuguesa, isso não é culpa minha, como não é culpa sua não ter educação pelo que diz e, ao dizer, o faz mal.

 

Cunha e Silva Filho