Todas as estrelas

 [Dílson Lages]

Busco  o que melhor identifique ruas e casas. O trajeto que me leva é o da intuição. Entre as letras grafadas em mármore, no interior da igreja, e o vento que sacode meu pensar, tento prender nos olhos o que me fascina. E o que ficam são sempre os livros, ou algum registro escrito, seja na parede de uma igreja, seja na banca de revista, onde se estampam alternativos de cultura. Sim, a cidade tem alternativos de cultura e até uma revista – periódica! – com artigos sobre o tempo de todos os tempos.

 

É há dois quarteirões da praça principal, assim o foi um dia, quando bairros constituíam apenas projetos, que se detém, movidos por uma intuição súbita, meus olhos de descobertas. Ao acaso, entro na casa. Logo sou convidado a conhecer o acervo de um escritor que ficou. Um ser que conseguiu, embora fosse um ser ali apenas de passagem; conseguiu, conseguiu, e talvez nem isso ambicionasse, ficar na história.

 

O acervo de Humberto de Campos, que em Parnaíba viveu anos da infância, está agora aberto à visitação, ali, a poucos metros da Praça da Graça, na cidade centenária dos velhos armazéns, onde se imaginam Luizas, Cremildas e Mundocas, e o fino senso estético de Assis Brasil. Os armazéns onde o menino andou de bicicleta para, anos depois, erguer os personagens que ficaram para sempre nas paredes desertas de marinheiros.

 

O memorial ali instalado, na sede da Academia Parnaíbana de Letras, reúne peças preciosas. A máquina, o fardão, os óculos, objetos que constroem a imagem do intelectual que foi, dispostos a quem olha com os olhos da luz – olhos parados, como se o segundo de admiração fosse o da  própria eternidade. Cartas e fotografias emolduram o acervo e chamam para a leitura mesmo quem não imagina o sucesso do homem de letras relembrado em  papeis e instrumentos de uma época.

 

Já faz mais de ano que ali estive, mas fotografias ficam mesmo ao alcance da visão para repaginar o passado e revesti-lo de presente. Estão aqui diante de minha face como se eu lá estivesse, lendo o presente da história. Lendo os versos que me vieram na pieguice da noite lenta, a noite em que o escuro é a contramão de tudo, até das ideias e sensações. A noite que ainda assim me traduz em versos de lavra própria:

 

O espírito ri de todas as estrelas

de todas as torres que se erguem

Para sustentar o próprio susto

Ri de todas as sensações

Até do medo e  da dormência.

 

O espírito das estrelas paira

Nos poemas há muito escondidos

Nas reservas do que sufoca

O riso e a dor de todas as coisas

 

Na igreja, entre a praça e e as ruas

uma alma solitária diz

Baixinho, baixinho

na rasteira dos rumores e pensamentos

como os degraus de cada palavra:

 

- O espírito ri de todas as estrelas.