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Temos muito a falar sobre um filme tão maravilhoso e perfeito: 

 

THOMASINA: OS 50 ANOS DE UM CLÁSSICO DE WALT DISNEY

Miguel Carqueija

 

       Que cineasta terá lançado em tal quantidade — eu diria torrencial — tantas obras-primas, ao longo de décadas? Até onde eu pude observar, Walt Disney é caso único na história do cinema.

       Vejamos hoje um dos seus últimos filmes, o extremamente belo “As três vidas de Thomasina” (The three lives of Thomasina), de 1963, baseado em história do conhecido autor norte-americano Paul Gallico. Com direção do competente Don Chaffey, é um drama sentimental com aspectos sobrenaturais e uma esplendida mensagem de amor para com os animais. Focaliza, inclusive, a polêmica questão da existência de alma nos animais e de sua possível sobrevivência à morte do corpo.

       Tudo gira em torno de Thomasina, uma linda gata de cor parda, e sua pequena dona, Mary Mc Dhui (Karen Dotrice, que um ano depois brilhava em “Mary Poppins” no papel de Jane Banks). Vivem ambas numa vila da Escócia, Inveranoch, no ano de 1912.  O pai de Mary é o Dr. Andrew Mc Dhui, médico veterinário (Patrick Mc Goohan), viúvo. Andrew é muito competente; todavia não tem verdadeiro amor pela sua profissão. Daí o incômodo que lhe causa o chamego de Mary, na inocência dos seus sete anos, pela gata dengosa e mimada.

       O eixo do drama que Walt Disney, ajudado por ótimo roteiro de Robert Westerby, tão brilhantemente narra, está na atitude de Andrew face à gata, e na reação da menina. Thomasina fere-se num de seus passeios noturnos e é encontrada na manhã seguinte pelas crianças (Geordie, amiguinho de Mary, é interpretado por Matthew Garber, de meteórica carreira no cinema: fez mais dois filmes com Karen Dotrice, igualmente produzidos por Walt: “Mary Poppins” e “The gnome-mobile”; faleceu muito novo, de infecção alimentar), já enrijecida pelo tétano. Desesperadas, as crianças levam a gatinha para ser socorrida pelo veterinário; infelizmente ele estava operando o cão-guia de um cego, que fôra atropelado. Andrew não queria ser interrompido, e de má vontade promete à filha que salvará Thomasina. Mais tarde, porém, após a cirurgia realizada com êxito no cachorro, ao examinar a bichana ele constata o tétano e simplesmente manda o ajudante eutanasiá-la, “antes que contamine os outros animais”.             

       A consequência trágica é o rompimento da menina com o pai, estarrecida e inconformada com a traição. Mary passa a negar qualquer palavra ao Dr. Andrew. E quando o amigo deste, Angus Peddie, tenta ponderar com a menina, ela dá uma resposta terrível: “O meu pai morreu. Eu o matei.” Uma frase destas, dita por uma criança de sete anos!

       Mas enquanto a gatinha passeia pelo Céu dos gatos — numa cena surrealista e fascinante — seu corpo inanimado é levado em féretro até perto de um moinho abandonado, onde pretendem sepultá-la, não faltando uma carpideira no grupo, e todo um ritual.

       Somente Lori, a jovem e bela feiticeira que mora ali perto (Susan Hampshire) e que cuida de animais silvestres machucados, poderá salvar a situação com o poder da sua bondade.

       É verdadeiramente bela a cena em que Lori, ao tocar no corpo da gatinha, observa: “O que vocês iam fazer? O coração dela ainda bate!” Estava viva, mas tivera tétano e fôra eutanasiada. Foi a santidade de Lori que operou o milagre.

       A partir daí, e diante da morte iminente da menina — que perdeu a vontade de viver e pegou pneumonia — a trama se encaminha para o extraordinário desfecho que trará a redenção de todos, graças à bondade da bruxinha Lori. E no ordálio (isto é, o julgamento de Deus ainda nesta vida) do Dr. Andrews, a magnífica mensagem do filme: não despreze os animais, não desrespeite os sentimentos das crianças.

       THE THREE LIVES OF THOMASINA — EUA/Inglaterra, 1963. Produção: Walt Disney. Co-produção: Hugh Attwooll. Direção: Don Chaffey. Roteiro: Robert Westerby. Com base no livro “Thomasina”, novela de Paul Gallico. Elenco: Patrick Mc Goohan (Andrew Mc Dhui), Susan Hampshire (Lori Mac Gregor), Karen Dotrice (Mary Mc Dhui), Matthew Garber (Geordie), Laurence Naismith (Reverendo Angus Peddie), Jean Anderson (Mrs. Mac Kenzie), Wilfrid Branbell (Willie Barmock), Finlay Currie (Grandpa Stirling). Voz de Thomasina: Elspeth March. Música: Paul Smith. Orquestração: Walter Sheets. Canção-tema “Thomasina” na voz de Terry Gilkyson (aliás, uma canção linda e envolvente). Efeitos especiais: Ub Iwerks A.S.C. e Jim Fetherolf (nota: Ub Iwerks é o lendário artista que foi companheiro de Walt Disney nos difíceis tempos do início da Disney nos anos 20 e o acompanhou praticamente por toda a vida).                             

 

Rio