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 THE GENTLEMEN’S ALLIANCE 11: HAINE DÁ A SOLUÇÃO FINAL

Miguel Carqueija

 

Resenha do vlume 11 (final) do mangá “The Gentlemen’s Alliance — Cross” (A Aliança de Cavalheiros — Cruz), de Arina Tanemura. Editora Panini, São Paulo-SP, dezembro de 2012. Copyright 2004 by Arina Tanemura. Editora Shueisha, Tokyo, Japão, 2004. Tradução: Karen Hayashida.

 

“Eu... não sabia de nada. Nem que a doença do Shizumasa-Sama era assim tão grave... nem do sofrimento do Takanari-Sama. Não sabia de absolutamente nada.”

(Haine Otomiya)

“Quero que acabe com o sistema de substitutos e que aceite oficialmente os dois como herdeiros. Agora mesmo.”

(Haine Otomiya)

“Não vou aceitar isso! Os dois são pessoas diferentes! Eu vou acabar com a tristeza e o sofrimento dos dois! A vida existe igualmente para todos neste mundo! Ninguém pode substituir outra pessoa!”

(Haine Otomiya)

“Quando o sol brilha as profundezas da floresta, onde luzes artificiais não alcançam, se iluminam. Gostaria de me tornar uma luz assim, que venceria qualquer solidão sombria e iluminaria a tudo.”

(Haine Otomiya)

“Foi muito bom ter me apaixonado por você.”

(Haine Otomiya)

“Dei tantas voltas até chegar aqui. Passei tanto tempo è deriva... este anel será a prova da nossa promessa. Mesmo que o fio vermelho que nos liga arrebente ele é a prova da nossa promessa de amor. A promessa de que viveremos juntos para sempre.”

(Haine Otomiya)

 

            O final apoteótico de “The Gentlemen’s Alliance” dá um fecho ao imenso drama que envolve três famílias e especialmente três pessoas (Haine Otomiya e os gêmeos Touguu, Shizumasa e Takanari) graças à inciativa, à generosidade e à coragem de Haine. Todavia, há algumas ressalvas prévias para estabelecer.

            Uma delas é a maneira como a mangaká enche a revista de excessividades, como retículas e outros artifícios de desenho, além da inserção de inúmeros recadinhos em colunas de texto com pequenas caricaturas, lembretes esses sem grande importância e o conjunto de tudo isso acaba causando poluição visual e prejudicando a seriedade da novela gráfica. É preciso ignorar um pouco esses floreios e concentrar na trama em si, que é rica e saborosa.

            Outra questão que se apresenta, essa especialmente para os cristãos, é a presença na trama de um caso de amor entre dois homossexuais do Colégio Imperial, Maguri Tsujimiya e o travesti Yoshitaka Ichinomiya, apelidado Maora, ambos amigos de Haine e seus companheiros no Conselho Estudantil. Embora, à luz da doutrina cristã, o homossexualismo (prática) seja considerado pecaminoso, há duas coisas a considerar: 1) existindo no mundo real, não há porque achar que não possa ser focalizado na ficção; 2) católicos (minha confissão) e demais cristãos não julgam nem condenam ninguém à luz do ensinamento de Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12); deixam o julgamento para Deus, que enxerga o interior da mente humana.

O que pode incomodar no mangá é no trecho em que Haine (sendo ela a heroína) encoraja o romance dos dois homossexuais, o que dá a entender uma postura complacente da parte da autora Arina Tanemura. Mas esta é uma posição dela, que o leitor cristão pode isolar para se concentrar nas riquezas psicológicas e sociais da trama. Porque, de fato, “The Gentlemen’s Alliance – Cross” é uma novela densa e que apresenta certa mensagem moral muito forte a favor do amor e da lealdade e coragem, e contra a opressão mesmo no plano familiar, que pode ser tão cruel quanto a opressão política.

Este volume 11, que encerra o drama, apresenta algumas cenas antológicas e a melhor delas provavelmente é quando Haine invade os aposentos do chefe da família Touguu, o velho Schuuichirou, avô dos dosi rapazes, e exige que o sufocante sistema de “substitutos” (pelo qual um em cada dois gêmeos seria mantido sempre como uma sombra do irmão) acabe. E quando o avô-chefão diz “não” Haine, demonstrando a sua incrível força física para uma menina de 15 ou 16 anos, e sua disposição taxativa de não recuar, agarra uma poltrona e com as próprias mãos rasga o estofamento e espalha as plumas ao redor, ao mesmo tempo em que passa uma descompostura (vide citações acima), deixando claro que não veio para brincadeiras.

O velho acaba negociando, admitindo que Haine escolha com quem irá casar, se resgatar a pedra que contém o nome de Takanari, no campo da família.

A sequência apresenta detalhes que frisam as qualidades morais e Haine Otomiya, uma garota que tem dúvidas mas que vai se firmando em suas resoluções até um ponto em que nada a deterá, nem mesmo quando Touya, enciumado e por ter posto na cabeça que a menina provocava dissenção entre os dois irmãos, joga a pedra no fundo do lago e ameaça Haine com uma arma de fogo. Nem isso detém Haine, que se atraca com ele, leva um tiro no ombro e perdoa Touya, que horrorizado com o que fez deixa de hostilizá-la; e na cena máxima Haine se atira no lago e mergulha, mesmo ferida e não sabendo nadar. O quadrinho não  mostra como ela retornou à superfície, trazendo a pedra de Takanari; provavelmente caminhou pelo fundo prendendo a respiração, até chegar à margem.

Com uma impressionante dose de altruísmo e generosidade (Arina comenta que alguém a classificou como uma “filantropa”, na verdade Haine possui a caridade em alto grau) Haine liberta a família Touguu da opressão que atravessara gerações, restitui a dignidade aos dois irmãos e se casa com Shizumasa, realizando o seu sonho. O próprio avô dos gêmeos muda o seu coração e aceita que a mudança venha por uma pessoa de fora da família. A mensagem final é mostrar como uma pessoa que tem paz e amor no coração consegue espalhar a felicidade em seu redor, apesar de todos os obstáculos.

“The Gentlemen’s Alliance” constrói em Haine Otomiya uma das mais interessantes personagens de mangá, com uma personalidade elaborada e complexa, profundamente trabalhada.

 

Rio de Janeiro, 6 de setembro de 2016.

 

 

 

(foto de Arina Tanemura, criadora de "The Gentlemen's Alliance" e outros mangás)