[Dílson Lages Monteiro]

Quando o jornalista Afonso Ligório publicou há alguns anos o livro de crônicas memorialistas Outros tempos, observamos, em artigo publicado no Jornal Diário do Povo, que o autor fazia uma viagem pelo coração de suas memórias, mas concedia a elas uma dimensão coletiva. Ao retratar, naquele livro, a origem rural, a infância e adolescência em Teresina, voltava as retinas e o pensamento para a paisagem social na qual se insere. Na ocasião anotávamos: “Outros Tempos exprime-se como resgate da história do autor, de seus antepassados, de aspectos de seu estado natal. O fluxo da memória, contudo, não se encarcera em lembranças restritamente pessoais”.

O raciocínio que fiz àquela data serve para explicar Terra do Gado. O embrião do livro se fundamentou, a princípio, no mesmo processo de Outros tempos. O próprio autor admitiu em  entrevista à radio senado: “Terra do Gado é uma curiosidade que trago desde menino, a partir de lembranças que me contaram e que, depois, fui juntando aquilo que estudei, aprendi e pesquisei”. Foi partindo desse amálgama de recordações, pesquisas, estudos e descobertas que o autor traçou um panorama seguro do processo de colonização do Estado, destinando mais de metade das páginas da obra a tópicos que dizem diretamente respeito a cidade de Barras.

O princípio das reflexões, não temos dúvidas, foi a busca de explicar a origem da antiga Fazenda Cabeceiras, berço de seus bisavôs João Francisco Carvalho de Almeida e a esposa Ana de Deus Pires Ferreira, os pioneiros, em meados do século 19, do povoamento do hoje município de Cabeceiras do Piauí. Na obstinada busca de detalhar como, onde e quando ocorreu a ocupação da citada fazenda, valendo-se de documentos, pesquisa bibliográfica e da memória oral, inclusive de informações com as quais tomou contato ainda menino, o escritor não apenas fez minucioso detalhamento da gênese de Cabeceiras, mas, principalmente, da Antiga Barras. Partindo da genealogia, somada posteriormente a conhecimentos sociológicos e econômicos, explicou o autor todo o processo de colonização do Norte piauiense. Assim é que discorre sobre a opção pela criação de gado, focalizando a chegada das primeiras famílias e sobre como se constituiu o patriarcado rural de então.

Nesse percurso de montar o mosaico de nossa formação, vai o autor costurando, como já dissemos, a teia que permite vasculhar as nuances da origem da Antiga Barras, um prolongamento das fazendas de Campo Maior, que, através de sucessivas divisões por herança, ganhava as mãos de homens e mulheres, multiplicados a partir principalmente dos casamentos entre os Castelo Branco, Carvalho de Almeida, Rego Barros, Pires Ferreira e outros apelidos que, pelos casamentos sucessivos entre parentes, eram  uma única gente. Ao montar esse mosaico, o autor resignifica as pesquisas genealógicas de Edgardo Pires Ferreira, Gilberto de Abreu Sodré, Ferraz, esclarecendo as anotações desses gigantes da genealogia, mas também corrigindo distorções e, simultaneamente, copilando informações esparsas sobre a maneira como se formou, por exemplo, a Vila de Barras.

Cumpre destacarmos ainda que o livro é de linguagem leve, simples e agradável – sem os ranços e vícios da linguagem acadêmica. Escrito como quem, pela razão, quer atingir o coração. Um livro, pois, em que merece atenção especial a organização do próprio discurso, a estrutura do ritmo, a melodia da narração. Um livro escrito como quem conversa, porém, sem perder a elegância do estilo.

             Por fim, afirmamos categoricamente: foi com a grandeza do sonho e do amor que Afonso Ligório Pires de Carvalho escreveu esta obra. A história e as histórias que reuniu e redimensionou  são, ao tempo em que lançam novas luzes sobre a identidade do Piauí, principalmente,  um reflexo do ideal de projetar  entendimento mais preciso das marcas da “piauiensidade”. Nesse sentido, Terra do gado – a conquista da capitania do Piauí na pata do boi configura-se como um atestado de amor ao Piauí; um encontro marcado entre o autor e suas raízes.