Vista parcial da cidade de União, antiga vila do Estanhado.
Vista parcial da cidade de União, antiga vila do Estanhado.

Reginaldo Miranda*

 

Desde muitos anos temos pesquisado sobre a origem de diversas famílias piauienses, sobretudo desse clã que se entronca no casal José Vieira de Carvalho e Maria Freire da Silva, que, vindos de São Paulo, se estabeleceram na bacia do rio Canindé, no ano de 1719. Mais recentemente descobrimos equívoco que vinha se repetindo em todas as publicações, sobre um neto daquele casal, nosso ancestral Hilário Vieira de Carvalho, o moço, que era dado como se fora filho, isto porque existiram dois de mesmo nome, um pai e o filho. Assim, Hilário Vieira de Carvalho, casado com Josefa Maria da Conceição (da família Pereira da Silva), residente na fazenda Várzea Grande, no Gurgueia, onde falecera em 1813, era dado como filho do casal paulista.

No entanto, manuseando a documentação digitalizada do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (AHU), descobrimos que o filho do casal paulista por nome Hilário Vieira de Carvalho, o velho, fora casado com Maria do Rego Monteiro. Filha do capitão-mor Manoel do Rego Monteiro e de sua esposa Maria da Encarnação, que, vindos da vila da Cachoeira, na Bahia, também se estabeleceram na bacia do rio Canindé durante o ano de 1719, ele na qualidade de arrematante dos dízimos do Piauí para o triênio 1719-1721.

Na mesma documentação fácil foi perceber que o casal encabeçado por Hilário Vieira de Carvalho, o velho, até então tido por inexistente tivera ao menos treze filhos, entre esses o homônimo Hilário Vieira de Carvalho, o moço, tronco das famílias Miranda e Rocha, no vale do Gurgueia. Como consequência dessa descoberta passara a fazer parte de nossa árvore genealógica um novo elemento, os Rego Monteiro, cuja origem remonta àquele capitão-mor. Não tivemos dúvidas, porém, em concluir que os Rego Monteiro do Médio-Parnaíba, sobretudo do Município de Regeneração, pertenciam a esse tronco genealógico, entre os quais o capitão Benjamim do Rego Monteiro, que fora intendente municipal naquela cidade e seu irmão capitão João do Rego Monteiro, senhor da fazenda Brejo Grande.

No entanto, restava indagar o que seria dos Rego Monteiro do Estanhado, hoje cidade de União, cuja origem indicada nos livros de genealogia remontava a Thomé do Rego Monteiro? O maior obstáculo enfrentado foi porque eles sempre apontaram uma origem pernambucana, talvez mirando os Rego Barros, que ali fizeram história. Para felicidade nossa localizamos algumas informações interessantes na documentação eclesiástica de Oeiras. Em 25 de dezembro de 1789, foi lavrado o assento de batizado de Maria, “filha do tenente Thomé do Rego Monteiro e sua mulher Maria Joaquina de Oliveira”; na semana seguinte, dia 2 de janeiro, na mesma igreja matriz de Nossa Senhora da Vitória da cidade de Oeiras, foi lavrado o assento de batizado de Francisco, filho de Roberto Ramos[1] e Delfina Rodrigues; o fato mais esclarecedor desse registro eclesiástico foi que o batizando recebeu por “padrinhos Thomé do Rego Monteiro e sua mãe Florência do Rego Monteiro”[2]. Então, tínhamos os nomes da mãe e esposa de Thomé do Rego Monteiro, além do domicílio deles. Acontece que no Censo Descritivo do Piauí, finalizado em 29 de maio de 1763, documento que localizamos, copiamos e publicamos na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí, edição n.º 7, referente ao ano 2017, consta que Florência do Rego residia naquela época na fazenda Juazeiro, da ribeira do Canindé, com o esposo e primo Manoel José dos Santos, cujo casal ainda não tinha filhos; na mesma fazenda, em outra casa morava seu irmão Manoel do Rego Monteiro, neto, com a esposa Maria Teixeira e um filho menor por nome José; e na vizinha fazenda A Volta, morava sua mãe, então viúva, com diversos filhos.

Com base nessas informações podemos concluir que Thomé do Rego Monteiro, nasceu na fazenda Juazeiro, ribeira do Canindé, então termo de Oeiras, por volta de 1765, filho de Manoel José dos Santos, o moço, e de sua esposa Florência do Rego Monteiro; neto paterno do português Manoel José dos Santos, o velho, e de sua esposa Ana Vieira de Carvalho, esta filha do casal paulista José Vieira de Carvalho e Maria Freire da Silva; neto materno de Hilário Vieira de Carvalho, o velho (irmão de Ana Vieira de Carvalho), e de sua esposa Maria do Rego Monteiro, esta filha do capitão-mor Manoel do Rego Monteiro e de sua esposa Maria da Encarnação, pioneiros da família no sertão do Piauí. Portanto, era oriundo dos velhos troncos[3] colonizadores do Piauí.

Com o prematuro óbito do pai, desde muito moço Thomé do Rego Monteiro teve de assumir a administração das fazendas da família, aprendendo o manejo do gado e as nuances de seu comércio nas feiras da Bahia e Pernambuco. Seu pai, embora falecendo jovem exerceu influência política e meteu-se em algumas querelas na velha Oeiras. Era aliado do ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, caudilho político daqueles dias. Então, exercendo o cargo de almotacé, em 1783, Manoel José dos Santos mandou prender e carregar de ferros um preto cativo por nome João, encarregado de cortar as carnes no açougue da cidade de Oeiras, porque este fora à casa do ouvidor-geral interino Ignácio Rodrigues de Miranda, inimigo de Rego, fazer-lhe a barba. Em represália, Miranda mandou prendê-lo e pô-lo debaixo de ferros, por duas horas, o que causou grande alarde e sérias consequências legais[4]. Manoel José dos Santos, o moço, faleceu alguns anos depois já não existindo em 1789.

Também, Thomé do Rego Monteiro imiscuiu-se na vida pública de Oeiras e ingressou na carreira militar, alcançando a patente de tenente do regimento de Oeiras, cujo cargo exercia em 1789.

Foi casado com dona Maria Joaquina de Oliveira[5], natural de Pernambuco, ao que se assevera, de cujo consórcio gerou três filhos: 1. Maria Joaquina de Oliveira, mesmo nome da genitora, nascida em Oeiras, onde foi batizada em 25 de dezembro de 1789; 2.  João do Rego Monteiro; e, 3. Benedicto do Rego Monteiro, que são tronco de grande geração.

Mais tarde, visando expandir suas atividades, o tenente Thomé do Rego Monteiro mudou seu domicílio para a fazenda Barra do Riacho dos Cavalos, distrito do Estanhado, hoje cidade de União, então termo de Campo Maior, onde intensificou o trabalho. Ali assentou a caiçara de novos currais prosperando na lavoura e no criatório de gado bovino e cavalar. Em pouco tempo multiplicou a sua fortuna, despertando a cobiça de quem deveria zelar pelas almas. E, por isso, perdeu a vida sendo barbaramente assassinado em 1813, dizem que a mando do Padre Silvestre Martins Afonso, proprietário vizinho, e que ambicionava-lhe as terras. A viúva, embora abalada pela perda prematura de seu consorte, soube resistir às pressões e manteve-se firme na condução da fazenda e dos negócios do marido, com a enorme responsabilidade de cuidar de três filhos menores.

Faleceu o tenente[6] Thomé do Rego Monteiro, em 1813, com cerca de 48 anos de idade, deixando um nome honrado e uma bela história de vida, vocacionada para o trabalho. Com essas notas resgatamos-lhe a memória e reconstituímos teias genealógicas esquecidas pela ação do tempo.

__________________

* REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.

 


[1] O capitão Roberto Ramos da Silva, senhor da fazenda Cachoeira, depois Cachoeira do Roberto, no Município de Afrânio, em Pernambuco, deixou numerosa descendência.

[2] Confira livro de batizados da freguesia de N. Sra. da Vitória da cidade de Oeiras  (1787 – 1794).

[3] Esse parentesco era conhecido até o início do século XX, porque em 1917, assim anotou Clodoaldo Freitas, em sua Biografia Crítica: “Do agricultor piauiense Thomé do Rego Monteiro, da família Sousa Martins e natural de Oeiras, e de sua mulher D. Silvéria Joaquina de Oliveira, pernambucana, ...”. Ora, Thomé não era Sousa Martins, embora fossem primos, todos descendentes do mesmo tronco Vieira de Carvalho.

[4] AHU. ACL. Cx. 016.D. 838.

[5] Na obra de outros escritores consta Silvéria Joaquina de Oliveira, em desacordo com o indicado assento de batizado. Talvez, pudesse ser Maria Silvéria Joaquina de Oliveira.

[6] É provável que nesse tempo já exercitasse uma patente mais elevada, mas disso não encontramos registro.