Imagem da cidade de Regeneração, antiga vila de São Gonçalo.
Imagem da cidade de Regeneração, antiga vila de São Gonçalo.

Reginaldo Miranda*

Entre os piauienses que mais se destacaram na Guerra da Independência e na repressão à Balaiada, figura o tenente-coronel Thomé Mendes Vieira, cuja trajetória de vida merece ser relembrada pelos relevantes serviços prestados à pátria.

Nascido por volta de 1790, na fazenda Água Verde, na ribeira do rio Piauí, sendo filho de Martinho Mendes Vieira e de sua esposa Joaquina Maria de Jesus, cujo enlace deu-se em 4 de setembro de 1781. Assim, foram seus avós maternos dona Iria Dias da Silveira e o destemido militar Manoel Ribeiro Soares, o moço, que combateu diversas nações indígenas, inclusive os índios pimenteiras, nas cabeceiras do rio Piauí e os tapacuás, nos confins de Parnaguá (1793). Por essa linhagem se aparentava a importante tronco genealógico, descendente do pioneiro casal colonizador, Manoel Ribeiro Soares, o velho, e sua esposa Maria Josefa de Jesus, fundadores da fazenda da Onça, no alto-Piauí.

Pelo costado paterno, descendia de outra família não menos importante no processo colonizador, também gerando grandes varões que se projetaram em nossa história. No entanto, essa genealogia pouco se tem revelado porque ainda não despertou a atenção de nossos genealogistas. Porém, sabemos que ela tem início na colônia portuguesa da América com seu avô paterno Luiz Mendes Vieira, nascido em 1696, na freguesia de Santa Marinha de Nespereira, Bispado de Lamego, cavalheiro mui distinto e senhor da fazenda Talhada, no vale do rio Itaim, então pertencente ao termo da vila da Mocha, depois cidade de Oeiras. Fora esse distinto varão casado com dona Clara da Silva Pinto, filha do sargento-mor Miguel de Araújo Reimão[1] e de sua esposa Clara da Silva Pinto, primeira do nome, de cujo consórcio tem origem a família Mendes Vieira, do Piauí. Parece que foram seus irmãos o capitão Ignácio de Loyola Mendes Vieira, abastado fazendeiro e deputado provincial nas cinco primeiras legislaturas de nossa assembleia legislativa; e o comendador José Mendes Vieira, tesoureiro provincial, vereador de Oeiras e deputado provincial em quatro legislaturas.

Na vida pública iniciou-se muito cedo, elegendo-se para alguns cargos públicos em Oeiras. Em 13 de julho de 1811, com a posse do governo interino do Piauí, composto pelo ouvidor desembargador Luiz José de Oliveira[2], o coronel de milícias Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar[3] e o vereador Severino Coelho Rodrigues, foi Thomé Mendes Vieira nomeado e, de fato, empossado no cargo de secretário de governo interino, em substituição a Manoel Pinheiro de Miranda Osório[4]. No exercício desse cargo permaneceu até 1º de dezembro de 1812, quando o entregou ao titular então provido (Arquivo Público do Estado. Códice 161. P. 143. 188v).

Ingressando na carreira militar foi prosperando nos postos inferiores até atingir o de tenente de cavalaria ordenança, momento em que assumiu a mencionada secretaria de governo, de forma interina. Mais tarde, foi destacado para servir na vila de Jerumenha. Ali também continua paralelamente a sua carreira política, elegendo-se para o senado da câmara local. Nessa altura agitam-se os ânimos no império português com a chamada Revolução do Porto e instalação das Cortes Gerais, em Lisboa, obrigando o retorno do rei D. João VI e aqui ficando o príncipe Pedro de Alcântara, depois coroado imperador do Brasil com o nome de D. Pedro I. Nesses pródromos da independência nacional, precipita-se a vila de São João da Parnaíba, proclamando sua adesão à independência em 19 de outubro de 1822 e solicitando das outras vilas e da capital que também o fizessem. Nesse aspecto Jerumenha seguiu a prudência das autoridades de Oeiras, recuando inicialmente por estratégia, para levantar-se mais tarde junto com a capital, então sediada em Oeiras e as demais vilas do interior. Então, presidia aquele senado da câmara nosso biografado, Thomé Mendes Vieira. Reunindo-se em sessão solene no dia 21 de julho de 1821, aquele senado jurou juntamente com o povo da freguesia, veneração e respeito à santa religião católica, obediência e fidelidade ao rei D. João VI e à sua augusta dinastia, assim como submissão à Constituição que fizessem as cortes gerais da nação portuguesa (Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves), congregadas na cidade de Lisboa. Novamente, em 3 de outubro daquele ano, juraram guardar as Bases da Constituição Portuguesa, que fizessem as mesmas cortes.

Por prudência, em sessão de 20 de novembro de 1822, se negaram seguir o movimento sedicioso deflagrado na litorânea vila de São João da Parnaíba. Esse fato foi comunicado à Assembleia Constituinte, na sessão de 5 de março de 1823, pelo padre e deputado Domingos da Conceição. Participaram desta última sessão o doutor desembargador ouvidor geral corregedor e provedor da comarca, Francisco Zuzarte Mendes Barreto[5]; o presidente Thomé Mendes Vieira; os vereadores João de Araújo Rego e Valentim Pereira da Silva, este seu primo pelos Ribeiro Soares; assim como o procurador Joaquim Machado de Matos (Diário do Governo, n.º 56. Lisboa, 6.3.1823).

No entanto, Thomé Mendes Vieira e demais autoridades de Jerumenha confabulavam em segredo com o grupo de Manoel de Sousa Martins[6] e outros denodados defensores da causa brasileira, em Oeiras. Assim, quando deflagra-se o movimento da independência em Oeiras, Thomé Mendes Vieira e seus pares repetem o gesto no senado da câmara de Jerumenha, desdobrando-se na organização militar e na guerra que sustentaram contra as forças do major João José da Cunha Fidié, governador das armas e leal à corte lusitana. Mendes Vieira foi impávido na guerra que se travou, sobressaindo-se como um dos heróis da pátria. Por seu desempenho nesse conflito teve o nome indicado ao ministro João Vieira de Carvalho, para ser promovido, como de fato foi, a tenente-coronel comandante do Batalhão de Milícias n.º 3, novamente criado na vila de Jerumenha.

Um pouco mais tarde, com a criação do Conselho de Governo do Piauí, integrou aquele colegiado como suplente no período de 1º de junho de 1829 a 30 de junho de 1833, tendo assumido a titularidade por algumas vezes. Foi, também, suplente de deputado provincial.

Em seguida, com a criação do novo município de São Gonçalo, hoje cidade de Regeneração, e criação também da guarda nacional, foi nomeado para o mesmo posto de tenente-coronel comandante do batalhão que então ali se instalava. Da mesma forma, na assembleia paroquial realizada em 6 de outubro de 1832, vai eleito vereador e presidente da câmara municipal da nova vila de São Gonçalo, tomando posse do cargo em sessão de 10 de novembro do ano seguinte, quando então se instalou a nova vila e município de mesmo nome, no Médio-Parnaíba piauiense.    

Porém, o momento solar da vida de Thomé Mendes Vieira, foi quando estourou a revolta da Balaiada, encontrando-se ele ainda no exercício do posto de tenente-coronel comandante da guarda nacional da vila de São Gonçalo. Foi inexcedível na organização das tropas e combate aos insurretos, guarnecendo e fortificando as passagens do rio Parnaíba, no território de seu distrito. Em 29 de novembro de 1839, “uma partida de 200 inimigos tomam a viva força o porto da Conceição. O comandante tenente-coronel Thomé Mendes Vieira resiste aos rebeldes com coragem, e depois de meia hora de fogo, readquire as posições perdidas pagando os rebeldes a sua ousadia com o número de mortos e feridos que deixaram nos entrincheiramentos abandonados”[7].

Esse combate tornou-se épico. Nosso biografado encontrava-se naquele porto com apenas 45 comandados. E na manhã daquele dia teve sua posição atacada por duzentos revoltosos que vieram do Maranhão, surpreendendo-o. Intrépido combatente, se reorganiza rapidamente e depois de renhido combate faz recuar os insurretos assaltantes que, dentro em pouco se viram obrigados a retroceder, atravessando o rio Parnaíba a nado, em desesperação, deixando três mortos no campo de batalha. No cair da tarde daquele mesmo dia já recuperara o posto perdido. Sobre o assunto assim anotou o historiador Odilon Nunes:

“Têm os legalistas 7 feridos e dois mortos, entre eles o primogênito de Tomé Mendes. Ao comunicar a perda do filho, que morre no cumprimento do dever, é admirável no seu estoicismo. Não deixa transparecer sentimento de dor. Mais tarde reclama que a notícia do recontro seja dado no Telégrafo, jornal que se publicou em Oeiras" (NUNES, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. Vol. III. 2ª Ed. Rio: Artenova, 1975).

Continuando no comando desse porto de Conceição, segue colhendo sucessos. No ano seguinte, comunica aos superiores que em data de 13 de maio, um contingente de 180 rebeldes se entregou a uma escolta que ele enviara ao lado d’além Parnaíba e que cotidianamente se lhe apresentavam mais dois ou três insurretos (O Despertador, 5.11.1840)

Passado esse conflito em que tanto se destacara, permaneceu no comando da guarda nacional no referido município.  E ainda foi nomeado para o cargo de delegado de polícia da mesma vila de São Gonçalo, onde passara a exercer liderança política, tomando posse em 11 de novembro de 1844. Nessa oportunidade, informa ao presidente da Província, que partidários do ex-presidente José Ildefonso de Sousa Ramos se preparavam para tumultuar a eleição de eleitores[8], informando que há quatro ou cinco dias fora encontrado na estrada que se dirigia dessa vila para a capital uma carga de armas conduzida por um moço do capitão Antônio José de Siqueira, tendo já vindo alguns rifles para se consertar por intermédio do coletor e professor de primeiras letras da mesma vila. Apesar dos receios a eleição ocorreu sem anormalidade.

Foi, também, fazendeiro no Médio-Parnaíba piauiense, criando gado em algumas fazendas situadas no vale do rio Canindé.

No exercício desses cargos faleceu Thomé Mendes Vieira, com pouco mais de cinquenta anos de idade, deixando grande descendência[9] nos termos de Regeneração e Amarante, além de um nome honrado e larga folha de serviços prestados à causa pública. Por essa razão, merece figurar nessa galeria de figuras que honram a terra piauiense.

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* REGINALDO MIRANDA, edvogado e escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.

 


[1] Foi biografado no primeiro tomo desta coleção.

[2] Biografado no primeiro tomo da presente obra.

[3] Biografado no primeiro tomo da presente obra.

[4] Também biografado no presente tomo.

[5] Biografado no primeiro tomo da presente obra.

[6] Biografado no presente tomo.

[7] ALENCASTRE, J. M. Pereira de. Notas diárias sobre a revolta civil que teve lugar nas províncias do Maranhão, Piauhy e Ceará, pelos annos de 1838, 1839, 1840 e 1841, escriptas em 1854 à vista de documentos officiaes. p. 423-483. Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geographico e Etnographico do Brasil. Tomo XXXV. Parte Primeira. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1872.

[8] Eram eleitos para formar o colégio eleitoral.

[9] Entre seus filhos figura Antônio Mendes Vieira; Manoel Mendes Vieira; Cândida Mendes Vieira, casada com o sargento Cândido Lopes de Sousa, de cujo consórcio descendem os Gomes, de Regeneração; João Gualberto Mendes Vieira; Rodrigo Mendes Vieira (dele descende o ex-governador Dirceu Mendes Arcoverde e o ex-deputado Alfredo Alberto Leal Nunes); Francisco Mendes Vieira; Raimundo Mendes Vieira; Raimundo Pio Mendes Vieira; e Joaquim Mendes Vieira.