Vapor João de Castro, por muitos anos navegou no rio Paranaíba.
Vapor João de Castro, por muitos anos navegou no rio Paranaíba.

Reginaldo Miranda*

Quando rebenta a revolta a que se denominou Balaiada em ambas as províncias do meio-norte brasileiro, o presidente do Piauí, Manuel de Sousa Martins, então barão, depois visconde da Parnaíba, cuidou de adquirir armas e munições, para isto mandando pessoas de sua confiança para as vilas de Icó, no Ceará e Juazeiro, na Bahia, a fim de as adquirirem das autoridades locais ou comprando a particulares. Também tratou de arregimentar tropas para combater os rebeldes, encontrando dificuldades seja pela falta de patriotismo, seja pela falta de conscientização política, assim como pela baixa densidade populacional e por tratar-se de período de colheitas das lavouras. No entanto, na cidade de Oeiras, então capital da província, os empregados públicos e cidadãos abastados, espontaneamente organizaram uma companhia com mais de 30 voluntários à cavalo, e se apresentaram àquela autoridade pedindo seu consentimento para poderem marchar rumo ao front de luta com os praças[1]. Foi a alma desse movimento o capitão José Maurício da Costa Pestana, que a chefiou incorporando-se à tropa do major Manoel Clementino de Sousa Martins.

Incorporado a uma tropa de trezentos homens, Costa Pestana partiu de Oeiras sob o comando daquele intrépido militar, em 17 de julho de 1839, em rumo de Caxias sitiada. Porém, chegando ao Porto de São Francisco depois de dois ou três dias de percurso, ali acamparam por alguns dias. Nessa altura, José Maurício da Costa Pestana, comandando seu piquete de cavalaria dos voluntários, seguiu ladeando a margem ribeirinha do rio Parnaíba, pelo lado do Maranhão. Buscava a povoação da Manga, onde alguns facciosos se haviam reunido com o propósito de fortificá-la, e dali, talvez, invadirem a província do Piauí. No dia 25 de julho esse comandante alcançou o lugar Cachoeira, onde fez três prisioneiros. No dia seguinte, pelas 10 horas da manhã, entrou na Manga, encontrando apenas um pequeno destacamento dos rebeldes, composto de seis indivíduos. Atacando-os com severidade dominaram as posições depois de alguns instantes, com apenas um sargento gravemente ferido, porque os facciosos metendo-se em uma casa atiravam pelos buracos das paredes. Ao final da ação morreram dois rebeldes e ficaram três prisioneiros, dos quais dois feridos[2].

Depois dessa ação sob seu comando retorna ao acampamento da Passagem de São Francisco, onde encontra seu comandante Manuel Clementino. E o acompanha em toda a ação pelo médio curso do rio Parnaíba, assim como pelo termo de Pastos Bons, inclusive na povoação de Mirador, no alto Itapecuru; também em seu retorno para a bacia do rio Parnaíba até o Estanhado, quando aquele militar caiu crivado pelas balas inimigas.  Costa Pestana ainda continuaria com seu corpo de voluntários à cavalo, até o fim do conflito, assim contribuindo para a manutenção da ordem legal e para estabelecer a paz na província. Seu patriotismo e gesto heroico não devem ser esquecidos, razão de traçarmos essas linhas para rememorar esse feito notável. Deixou, assim, seu nome gravado na história militar da província piauiense, embora em seu solo não tenha visto a luz do sol pela primeira vez.

José Maurício da Costa Pestana, nasceu na capitania do Ceará, tendo passado ao Piauí, fixando-se na cidade de Oeiras, então capital da província, entre os anos de 1831 e 1832. Desde muito cedo empregou-se em diversos e pequenos empregos, exercendo todos com zelo e inteligência. Mais tarde, ingressou na tesouraria da fazenda como empregado vitalício, iniciando no cargo de contador e depois alcançando a inspetoria da administração, onde destacou-se como um dos mais hábeis empregados de fazenda do Piauí[3].

Em face desses empregos e do fervor político da época, em 1849 foi acusado pelo presidente da província, Anselmo Francisco Peretti, de arrecadar quantias mais ou menos vultosas dos administradores dos dízimos do Piauí e não recolhê-las aos cofres. Por essa razão, em 31 de maio daquele ano, foi sentenciado em grau máximo pelo juiz de direito interino Miguel Henrique de Paiva e chegou a ser preso, fato que muito repercutiu nos arraiais liberais com reprimendas ao juiz. Posteriormente, com as mudanças políticas a situação se resolveu provando Pestana a sua inocência. Era a dura lida política da época e não temos elementos para discutir o mérito da causa[4].

Fazendo a campanha de repressão à Balaiada, entre os anos de 1839 – 1840, conforme se disse, “cremos lhe restou grave enfermidade da qual jamais perfeitamente se restabeleceu”[5].

Ingressou na guarda nacional, exercendo a patente de capitão, depois passando a major e tenente-coronel.

Ingressando na política militou no partido liberal[6], por cuja legenda foi eleito deputado provincial para as legislaturas iniciadas em 1842, 1844, 1846 e 1848. Em 11 de março de 1848, aparece como um dos fundadores do jornal Constitucional, órgão que deveria suceder O Governista. Em 1858, entrou para a comissão de redação do jornal O Propagador, órgão de divulgação das ideias liberais, colaborando ao lado dos juízes Antônio Borges Leal Castelo Branco, Cândido Gil Castelo Branco, advogados Deolindo Mendes da Silva Moura, Lívio Lopes Castelo Branco e Silva, João Nepomuceno de Sousa Machado e os servidores públicos Antônio Rodrigues de Sousa Brandão, Fernando da Costa Freire, Lourenço Antônio Marreiros de Castelo Branco, José Pereira Nunes, José Joaquim Avelino e Joaquim de Lima e Castro[7].

Era membro da irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia de Oeiras. Também, em novembro de 1858, aparece como tesoureiro de uma sociedade denominada Beneficente, ao lado de diversos próceres do partido liberal[8]. Na qualidade de provisionado, exerceu a advocacia nos fóruns do Piauí.

Era acionista e gerente da Companhia de Navegação a Vapor no rio Parnaíba, em cujo cargo foi substituído provisoriamente depois de seu óbito pelo acionista Firmino Alves dos Santos. Ao anunciar seu óbito a diretoria da referida companhia assim se expressou: “Esta perda foi bastante sensível para a companhia, porque o falecido gerente, além de sua dedicação e patriotismo pela prosperidade de uma empresa nascente, e de um futuro tão lisonjeiro para esta província, reunia perspicaz inteligência, que todos lhe reconheciam”[9].

Faleceu em 27 de novembro de 1859, pelas nove horas da manhã, na cidade de Teresina, sendo sepultado às dezenove horas do mesmo dia, em cerimônia bastante concorrida. O discurso fúnebre, à abeira do túmulo, foi proferido pelo lente de geometria do Liceu e oficial da secretaria da tesouraria da fazenda, Joaquim de Lima e Castro, que era seu colega na redação do jornal liberal O Propagador. Deixou viúva dona Victoria Carolina da Silva Pestana, falecida em 15 de outubro de 1875, “vítima de uma terrível combustão, sucedida por ocasião em que a infeliz senhora desvelava-se no tratamento de uma criança, atacada da varíola”[10].

O óbito desse distinto homem público foi assim anunciado em dois jornais do Rio de Janeiro:

“Faleceu o abastado fazendeiro José Maurício da Costa Pestana, chefe do partido liberal na província” (Correio Mercantil, 8.1.1860).

“Faleceu o prestimoso cidadão tenente-coronel José Maurício da Costa Pestana, bom amigo, excelente pai de família, distinto patriota, era um dos membros proeminentes do lado conciliador. Sendo gerente da companhia de navegação a vapor nesta província, em consequência dos grandes esforços que pessoalmente fez para desencalhar o vapor Urussuhy na sua penúltima viagem, originou-se-lhe uma grave enfermidade, que terminou seus dias, deixando um vácuo difícil de preencher-se. Era irmão do distinto e inteligente tenente-coronel Piragibe[11]” (Correio da Tarde, 10.1.1860).

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*REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: [email protected]

 

 


[1] O Telégrafo, nov-1839.

[2] O Telégrafo, 25.11.1839.

[3] O Propagador, 11.12.1859.

[4] A Voz da Verdade, 6.6.1849; O Echo Liberal, 8.11.1849 e 15.5.1851.

[5] O Propagador, 11.12.1859.

[6] A Imprensa, 12.11.1869; Nortista, 28.12.1901.

[7] O Propagador, 9.10.1858.

[8] O Propagador, 20.11.1858; O Governista, 11.3.1848.

[9] O Propagador, 6.2.1860.

[10] O Globo, 29.10.1875.

[11] Conselheiro Vicente Ferreira da Costa Piragibe, do Exército, cearense, aposentado por decreto de 22 de outubro de 1864, no cargo de diretor geral da secretaria de estado dos negócios da guerra.