TEMPOS REPUBLICANOS
Por Elmar Carvalho Em: 06/01/2011, às 17H01
Nesta temporada de final de ano, em Parnaíba, estive com os meus compadres Gelvan e Neide. Ela é filha do sr. Anísio, que foi comerciante e vereador. Ocupa chefia importante da Caixa Econômica Federal na Paraíba, através de concurso. É minha conhecida desde os tempos em que residi em Parnaíba. Conheci o Gelvan em 1983, quando ele, na qualidade de administrador postal da ECT, recém formado pela ESAP, foi lotado na diretoria regional da empresa no Piauí. Era natural de Paulo Afonso, Bahia. Moramos na mesma casa. Era uma república, mas república séria, de muito respeito, e não uma república de estudantes boêmios e gazeteiros, nem tampouco uma republiqueta de bananas da América Latina.
Quando assumi meu cargo de fiscal da SUNAB, em Teresina, no dia 10.08.1982, fui inicialmente morar no hotel da dona Maru, instalado num antigo palacete da avenida Frei Serafim, perto da igreja de São Benedito. No mesmo apartamento, morei com o conterrâneo e amigo Jaime Filho, rebento da professora Mariema e do tenente Jaime da Paz, probo e dinâmico prefeito de Campo Maior. Em menos de dois meses fui convidado pelo Carlos Cardoso, velho amigo da adolescência e também conterrâneo, para morar na república da qual ele era membro proeminente. Explicou-me as regras, os direitos e deveres da confraria. Disse-me que a casa ficava situada na avenida Jockey Club, onde hoje funciona um colégio. Imediatamente aceitei o convite e tratei de me mudar. Moravam na república dois administradores postais, o Umberto Nadal, paranaense, e o Robério Maia de Oliveira, cearense, o Antônio Maria, comerciante, e o Carlos, contador, um dos chefes da empresa SECREL, sediada em Fortaleza. Portanto, éramos cinco republicanos.
A casa dispunha de uma boa piscina. Em quase todos os domingos havia comilança e libações. Participei de poucas festas, uma vez que nessa época costumava, pelo menos duas vezes por mês, passar o final de semana em Parnaíba, porquanto meus pais e minha namorada, hoje minha mulher, ali residiam. Tomei conhecimento de que um frequentador desses churrascos tornou-se demasiadamente assíduo, dando-se ao luxo de ainda trazer vários convidados, mas sem nada trazer em contrapartida, nem mesmo refrigerantes, quanto mais bebida e mantimentos de boca. Diante dessa “esperteza” os colegas republicanos resolveram adotar uma estratégia contra esse abuso. Certo dia, quando o espertinho chegou com os seus convidados, encontrou o fogo apagado. Dois membros da república o convidaram a ir até um supermercado, onde compraram os suprimentos líquidos e comestíveis, e lhe “convidaram” a pagar a conta. Foi a última vez que esse mui amigo apareceu na república. Nessa casa escrevi o meu poema Egocentrismo, que nasceu de um insight, já pronto e acabado. Eu acabara de acordar, quando, ao ficar sentado na rede, espirrei numa réstia que iluminava a escuridão do quarto. As gotículas do espirro, viróticas ou não, fizeram surgir um pequeno arco-íris. Instantaneamente o poeminha foi escrito em minha mente, com os seus versos que falam em arco-íris, em arco-do-triunfo, em velocino dourado e em coroas de louro e de ouro. Sou muito grato a esse espirro, que funcionou como uma musa ou como inspirado e inspirador lampejo.
Dessa residência, nos mudamos para uma outra, na rua Rui Barbosa, situada no início da ladeira, após a qual começa a avenida Barão de Gurgueia. Nesse período, já nos haviam deixado o Antônio Maria e o Carlos; este havia adquirido uma casa, e já se preparava para se casar. O Robério, hoje juiz do trabalho, casou-se e foi morar em casa própria. Em seu lugar entrou o Gelvan. Foi uma turma boa, composta por pessoas responsáveis e cumpridoras de suas obrigações. Como o dono dessa casa tenha precisado dela, para fazer um depósito de sua empresa, fomos morar em outra, localizada na rua Areolino de Abreu, perto da Caixa Econômica.
Era um casarão antigo, meio fantasmagórico, onde antigo morador, um engenheiro, havia suicidado. Numa das portas, fora escrito um belo, porém elegíaco, melancólico poema da autoria de meu amigo Hardi Filho, em que a tinta parecia escorrer, como gotas de sangue. Nesse vetusto solar, de história trágica, escrevi o meu poema A Casa no Tempo, infestada de esgarçantes rasga-mortalhas, de esvoaçantes e lúgubres morcegos, de almas penadas, de correntes arrastadas, de gemidos e ruídos misteriosos. Nessa casa, hoje demolida, a república foi extinta, em virtude de casórios e do retorno do Nadal ao Paraná, sua terra natal. Mas, em minha saudade, a casa com a república, como digo no meu poema, “... sempre persistirá / nas músicas passionais de algum boteco / criando ressonâncias que repercutem / insistentemente como eco”.