Tempo que mudou o tempo

[José Ribamar Garcia]

Tempo de protesto. Tempo do basta. Tempo que mudou o tempo. Começou, em São Paulo, com os estudantes protestando contra o aumento do preço das passagens, rechaçados pela polícia. De forma truculenta, inclusive à bala de borracha, com sobra para alguns jornalistas. Depois, o cinismo. Do governador, justificando a repressão; do prefeito, não podia baixar o valor. Em resposta, a estudantada voltou às ruas. Desta vez, em maior número, e com apoio da população e dos colegas de outros estados. No Rio de Janeiro – também por motivo idêntico – 30 mil ocuparam as ruas. Mas, de acordo com a polícia, apenas um terço desse número. Ela sempre contabiliza a menor. E o faz por conveniência. Na passeata seguinte, compareceram mais de 200 mil pessoas e na outra, realizada dois dias depois, ultrapassou um milhão. Em uma semana, cerca de um milhão e meio de cariocas foram, espontaneamente, ao centro da cidade para protestar e reivindicar. Jovens, idosos e famílias atenderam a convocação do Movimento do Passe Livre, feita através da Internet. Fato sem precedente na história da cidade.

A essa altura, o aumento das passagens havia sido cancelado. Porém, tardiamente. A pauta de reivindicações se desdobrara e o movimento se alastrara pelo País, com passeatas em mais de 200 cidades e em todas capitais, afora sua repercussão no exterior. De repente, a população descobriu sua capacidade de se reunir e, reunida, cobrar das autoridades suas obrigações. E soltou o grito, até então, contido. Um grito de basta. Basta às mazelas que lhe afetam e afetam ao Brasil. Basta aos políticos ladrões, corruptos, carreiristas, demagogos e populistas. Basta à impunidade, ao ensino público ruim, ao hospital que só tem fachada, ao transporte coletivo de péssima qualidade. Basta aos partidos políticos de mentirinha, como bem definiu o Ministro Joaquim Barbosa. Basta ao comportamento do Congresso Nacional, que abriga mensaleiros condenados por rapinagem aos cofres públicos, e outras dezenas de parlamentares que respondem a processo criminal. Há um deles, inclusive procurado pela Interpol, se colocar os pés fora da fronteira será imediatamente trancafiado. Basta à pelegada que usa os sindicatos para alcançar cargos públicos – e até um ministério do trabalho, ou da previdência social, numa atitude bem fascista. Foi esse o clamor de um povo, que aprendeu o caminho das ruas.

Quanto ao vandalismo, deu para perceber que é orquestrado.  Uma minoria que se infiltra, visando jogar a opinião pública contra os manifestantes. Gente com prática de militância política. De agremiação partidária ou sindicalista que não foi convidada pelo Movimento do Passe Livre. Pois, este rejeita qualquer partidarismo político e, por ser assim, é que teve a adesão maciça da população. Portanto, não é difícil para a  polícia – que tem um serviço secreto eficiente – identificá-los e prendê-los e, quando prender, mostrá-los ao público. O que já devia ter feito. 

No meio do movimento, a presidente da República, Sra. Dilma Rousseff, veio a público, em cadeia nacional, dizer que estava preocupada e disposta a ouvir o clamor das ruas. Já foi um alento. No entanto, o povo esperava de sua excelência, que viesse com algo de concreto. Como, por exemplo, que havia pensado bem e decidira cortar a metade dos mais de 20 mil cargos comissionados. Ou que tinha reduzido, também na mesma proporcionalidade, seu ministério, composto de 39 ministros, que custa mais de 60 bilhões de reais por ano ao País. Com certeza, isso acalmaria as inquietações do povo. Este povo que sustenta a maior carga tributária do mundo (36%) – que ela durante a campanha presidencial prometera diminuir - e tem o pior serviço público. Quem sabe, se ela ainda não vai tomar uma decisão desse porte? Afinal, é uma senhora preocupada e de palavra.

 

José Ribamar Garcia é da Academia Piauiense de Letras.                                                      

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