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Teatro Amazonas


Romance de R. Samuel, reescrito

3. JOSÉ PARANAGUÁ - 1882

O Presidente da Província José Paranaguá andava de um lado para outro com aqueles papéis e um leque nas mãos. Era um homem inquieto, nervoso, irritadiço, meio gago. Naquele momento tinha o projeto da construção do teatro de alvenaria nas mãos.

Na sua frente, o deputado Fernandes Júnior o olhava com admiração e reverência. Paranaguá era de uma das famílias mais poderosas do país. O deputado aguardava, apoiado na mesa. Parecia calmo, sorridente, gentil, servil, e esperava que Paranaguá não tivesse um ataque de nervos, na sua frente.

No forte calor da tarde, o governador suado agitava os papéis, o leque, levantando os braços no ar.

- Você tem razão, meu caro, disse Paranaguá, ainda andando. “Você tem razão”. Ele tinha o hábito de repetir a mesma frase duas vezes e gostava de falar andando. “Peripateticamente”, dizia ele.
- Mas... – disse ele.
E não concluiu.

Apertou a mão do deputado e o conduziu, empurrando-o, até a porta.
- Eu o manterei informado, concluiu ele, conduzindo o outro pelo braço, dando-lhe amistosas tapinhas nas costas, enquanto punha Fernandes Junior gentilmente para fora.

José Paranaguá era um homem ilustre e poderoso em todo o império.

- Mas o quê, Excelência? – perguntou o deputado, já com o corpo todo fora do gabinete.

- O seu projeto é muito modesto... MUITO modesto!

E voltando a abrir a porta do gabinete gritou:
- Eu o manterei informado. Eu o manterei informado!

Logo que o deputado saiu, entraram João Antony e Leovegildo Coelho. O governador os fez sentar e passou-lhes às mãos o projeto de construção do Teatro Amazonas.

O Teatro Amazonas estava ali, posto em papel, nascendo naquela mesa para ser uma casa de diversões de gente rica. Havia uma sociedade recentemente enriquecida que necessitava canalizar suas energias em festas, reuniões, diversão.

Logo após, em junho de 1882, quando o gigantesco prédio ainda era um sonho, José Paranaguá sancionou a lei n. 567 de 10 de maio de 1882 que despendia 10 contos de réis (uma fortuna!) no contrato de uma companhia dramática. Mas ainda não havia teatro.

José Lustosa da Cunha Paranaguá era filho do Marquês de Paranaguá, Presidente do Conselho de Ministros do Brasil. Foi Presidente da Província do Amazonas por dois anos. Chegou em Manaus no dia 17 de março de 1882. No dia 28 de maio do mesmo ano foi explorar a região de Itacoatiara, acompanhado por Thaumaturgo de Azevedo e João Antony.

Thaumaturgo de Azevedo estudou na Escola Militar de realengo, no Rio, e na Faculdade do Recife. Militar engenheiro e advogado, chegou a general e a governador. Teve vida política agitadíssima, cheia de altos e baixos.

João Antony era um engenheiro amazonense de ilustre família. Foi político, desenvolveu uma carreira brilhante e honesta. Era pai do poeta Américo Antony.

Em 1882 a comitiva de José Paranaguá saltou em Amatari à procura do cemitério dos índios Miracauuêra. Em 12 de julho subiu o Rio Negro. Explorou o rio Cuieires à procura dos índios Arauquis, dizimados em 1669 pelo Capitão Favela. Em 12 de setembro explorou o Baixo Amazonas, acompanhado por comitiva da qual fazia parte José Veríssimo. Em novembro explorou o Purus. O governador era um explorador. Detestava burocracia. Foi na administração dele que se começou a construir o suntuoso Teatro. A lei chamava concorrentes para a execução da planta e dotava 30 contos de réis para o início das obras, não mais orçadas em 60, nem em 120... Mas em 250 contos de réis. Aquilo ficou esquecido durante o resto do ano.

No ano seguinte, numa tarde de março de 1883, estava reunida a comissão administrativa para a construção do Teatro numa sala do segundo andar do prédio da prefeitura. A comissão, nomeada por Paranaguá, era constituída por Leovegildo Coelho, João Antony e Charles Brisbin. Sentado na cabeceira da mesa estava o presidente, Leovegildo, com a xícara de café na mão.
- Há dois orçamentos para examinar, começou ele.
Leovegildo Coelho era um baiano grandão, forte, aparência militar. Era engenheiro. Nasceu pobre, criado por uma família rica. Nunca conseguiu saber o nome de seus pais. Estudou em Salvador, depois foi para o Rio de Janeiro, para a Escola Militar. Foi Alferes, serviu no Amazonas, incorporado à “expedição científica”, sob a chefia de Gonçalves Dias, que morou na rua Barroso onde hoje existe o prédio da Biblioteca Pública. Gonçalves Dias depois foi inspetor escolar e Leovegildo Coelho indicado para verificar o canal do Rio Negro do ponto de vista de sua navegação e fazer sua cartografia.

Leovegildo Coelho era mulato. Foi um dos auxiliares do governador negro, Eduardo Ribeiro, na construção de Manaus. Delegado de polícia, deputado, senador e um dos signatários da Constituição Brasileira de 1891. Participou do governo de Floriano Peixoto, de quem era confidente e conselheiro. Deixou um alentado diário íntimo, ainda inédito e nunca publicado, em três volumes, com informações secretas da vida da República.

- Há dois orçamentos, disse Coelho. Um de Celeste Saccardi, de 249 contos; outro do Gabinete Português de Engenharia de Lisboa, de 500 contos.

João Antony ouvia em silêncio, o lápis rodopiando na mão. A seu lado estava o gordo Charles Brisbin, sofisticado, perfumado, com um polpudo lenço na lapela, cofiando o bigode grisalho.
Eles tinham de decidir da planta e orçamento da construção do Teatro.
- Acho o projeto Saccardi o melhor e mais barato, disse Coelho, estendendo o pescoço com um puxão.
João Antony pôs-se a examinar o projeto Saccardi.
Depois de algum tempo, disse:
- Faltam as fachadas laterais - falou, dirigindo-se a Coelho a todos.
Brisbin pôs o pincenê de ouro e se aproximou. Os dois passaram a examinar aquelas folhas.
- Sim, falta também a fachada posterior, disse Brisbin.
- Sim, respondeu Antony.
Leovegildo Coelho aproximou-se de onde estavam os dois, e começou a balançar a cabeça, concordando.
- Também não vejo no orçamento o emboço, o reboco e a pintura do edifício.
Examinaram os três.
- Falta o soalho e forro da platéia...
- E o ladrilho da entrada e do saguão...
- Falt o preço da mão de obra da cúpula...
Sucessivamente os defeitos de Saccardi foram aparecendo:
- O preço do ferro não é esse, está muito baixo, disse Brisbin, que era dono de uma construtora em Lisboa.
- O da alvenaria também, acrescentou Coelho.

Depois de um tempo, disse Antony:
- Mas como apoiar este projeto português, que custa o dobro?
- Quanto custa?
- Quinhentos contos.

No dia seguinte foram os três ao gabinete do Presidente da Província José Paranaguá. Depois de ouvir a argumentação, disse o Governador:

- Como não, como não! – exclamou efusivo José Paranaguá, batendo leque na palma da mão e assobiando uma polca. Vamos aproveitar as condições prósperas da província! Não vamos adiar a obra! Não, não! É uma necessidade para esta elegante cidade capital.
E depois de rodopiar com a polca pelo gabinete, fez:
- Precisamos de um teatro. Precisamos de um teatro! – e assobiou com mais força batendo palma.

E logo andando de um lado para outro, como sempre fazia, disse em tom de doutoral:

- Vamos aceitar a planta portuguesa, vamos aceitar, vamos tocar as obras, vamos tocar. Mandarei pagar um conto de réis por esta planta.

E depois de mais uma caminhada de um lado para o outro, agitando os braços, abanando o leque e assobiando a polca:

- Vamos agora escolher, imediatamente, o lugar onde construiremos o nosso teatro! Vamos escolher! Agora! Vamos escolher!

E começaram a discutir entre si os diversos lugares e depois escolheram. Mas escolheram mal, como se verá.

Mas foi assim que obras começaram, não mais em 60, nem em 120, nem em 250, mas em 500 contos de réis.

E depois subiram a vários milhões.