0

 SUZUKA: O LONGO IMPASSE

Miguel Carqueija

 

 

          A série de animação “Suzuka”, em 16 episódios de média-metragem (Japão, 2005, Estúdio Comet, exibido na TV Tokyo), é um significativo exemplo de minimalismo e de profundidade psicológica que os animes alcançaram. A trama envolve assunto de esporte (atletismo), porém se concentra no difícil relacionamento de dois jovens do colegial, Yamato Akitsuki e Asahina Suzuka. Esta, uma especialista no salto em altura, considerada uma esperança para representar o Japão nas Olimpíadas. Yamato vai estudar em Tóquio e fica morando na casa da prima Miho, onde também se hospeda Suzuka. A paixão de Yamato ocorre à primeira vista, quando ele vê Suzuka treinando na barra. Todavia Yamato é desastrado, meio bobo, inexperiente no trato com as meninas e se atrapalha todo ao lidar com Suzuka, que carrega um trauma muito forte por conta da morte trágica, tempos atrás, do garoto a quem ela amava.

          Apesar disso, coisas muito importantes ocorrem logo no primeiro episódio. Preocupada com a forma, Suzuka exagera na sauna e desmaia, sendo socorrida por Yamato, de quem não tivera a princípio boa impressão. Ela então pede a ele que a ajude no treino. Suzuka já conseguira pular 1,68 m, mas sua marca habitual era de 1,64. Ele pede a Yamato que coloque a barra horizontal nessa marca (a marcação está nas barras verticais), para iniciar o treino. Ora, a barra horizontal deve ser posta abaixo da marcação desejada. Sem entender do assunto, o rapaz colocou a barra acima da marca de 1,64. Resultado: Suzuka correu, saltou... e bateu o recorde mundial.

          Ela cai das nuvens quando percebe o que aconteceu, sem que valha, pois ocorreu num simples treino, sem testemunhas.

          Mesmo assim o relacionamento de Suzuka e Yamato tem um longo e acidentado caminho a percorrer. Suzuka se fechou em seu trauma e Aktsuki não está preparado para compreendê-la. Enquanto seu amigo liberal Yasuribu Hattori lhe põe coisas no ouvido, Aktsuki reencontra uma amiga de infância, Sakurai Honoka, uma menina doce e amável que está sinceramente enamorada por ele. Bobo como é, Yamato só percebe a coisa quando a garota o beija nos lábios com emoção. Estavam ambos sentados numa escadaria, conversando, quando Honoka pensa “Não olhe!” e antes, efetivamente, que o rapaz avistasse Suzuka, ela o beijou ardentemente — e deixou que Suzuka visse isso. É uma das cenas mais antológicas do seriado.

          O fato é que, apesar do nome da série, a trama deriva muito para o ponto de vista de Akitsuki, pondo até em segundo plano o atletismo de Suzuka. A certa altura adquire grande importância a entrada de Yamato na equipe de corrida, tornando-se claro que ele também é um atleta, um excelente corredor, ainda que, a princípio, ele só queira impressionar Suzuka.

          A atitude contraditória de Suzuka, que gosta de Akitsuki mas ao mesmo tempo é dura com ele, leva-nos até a torcer pela doce e meiga Honoka. Suzuka periodicamente visita o túmulo de seu perdido amor, Kazuki — ele próprio fôra um promissor atleta e morrera num acidente — e teme se comprometer com outra pessoa. Yamato é desastrado, ansioso e pouco sutil para lidar com questão assim delicada. E quando namora Honoka, mal aconselhado por Hattori ele tenta “avançar o sinal” sem aviso — coisa que não era da sua natureza e só serve para espantar a garota, que recusa e foge. Esse episódio, aliás, mostra a delicadeza com que muitos animes abordam a questão da sexualidade dos jovens.

          “Suzuka” é uma série inteligente, profunda e merecedora de atenção.

 

Rio de Janeiro, 20 a 22 de janeiro de 2013.